Um novo paradigma de ciência agrícola adaptada aos solos tropicais e seus ecosistemas

Nossa ciência atual é :

1- analítica- porque tenta desvendar os segredos da natureza para depois poder utilizá-los como melhor nos parece.

2- fatorial – dividindo tudo em fatores e frações de fatores para depois poder embaralhá-las segundo as exigências que nos parecem prioritárias. E praticamente querer brincar de Deus.

3- sintomática – porque não se preocupa com as causas, mas simplesmente combate os sintomas que aparecem graças aos erros no manejo da natureza. Mas com cada problema que se “resolve” provocam-se dois ou três outros problemas. É uma luta que já de início está perdida . Assim se prevê que a luta final será entre o ser humano e os insetos, que, certamente, ganharão.

Os povos tecnicamente menos desenvolvidos, do chamado Terceiro Mundo, ou “em desenvolvimento”, acreditam que esta ciência e tecnologia química, altamente mecanizada, é o máximo que se pode almejar.

A atual ciência agrícola com toda sua tecnologia foi desenvolvida no hemisfério Norte e transferida para o Sul. Não foi desenvolvida para produzir mais e um alimento melhor, mas para salvar uma indústria falida, isto é, para abrir a agricultura como mercado. Ou seja, a agricultura que sempre produziu para abastecer o mercado agora tornou-se mercado para produtos industriais.

O prof. Norman Borlaug mostrou o caminho: criar variedades híbridas, que suportaram altas doses de adubos químicos, iniciando com o trigo anão mexicano, onde a palha é curta e a espiga grande e pesada. Produziu o máximo por quilograma com NPK. Mas com isso a produção agrícola ficou tão dispendiosa que na Europa e América do Norte ela sempre foi e está subvencionada. Também se esqueceu que a colheita tem de produzir tanto alimento humano como animal – ambos negociáveis no mercado,- como também alimento para a vida do solo, isto é matéria orgânica,- que não é negociável,- mas somente valoriza o solo e aumenta sua produtividade. Não interessava a um sistema analítico e fatorial que eliminasse pela estatística todos os fatores colaterais.

Para manter os campos limpos de invasoras se aplicaram herbicidas especialmente pré-emergentes, de modo que quase não se produziu mais matéria orgânica para a vida do solo e os solos se desagregaram, compactaram, decaíram. Com máquinas cada vez mais sofisticadas, pulverizaram estes solos para prepará-los para a semeadura. Isso permitiu a agricultura em grande escala, exigindo, porém, monoculturas e expulsando do campo os trabalhadores rurais e a maioria dos pequenos agricultores, que migravam para as cidades e, no “Terceiro Mundo”, especialmente para as favelas, criando a miséria e a fome. Nos EUA somente 2% da população ainda trabalha no campo, na Europa 6% enquanto no início de século eram ainda 75 %.

Solos compactados com sua estrutura decaída são doentes, mas eles somente podem fornecer plantas desequilibradamente nutridas, doentes, e, portanto, atacadas por pragas e doenças. Desenvolveu-se toda esta enorme indústria de defensivos, mais conhecidos como agrotóxicos. E se hoje a agricultura orgânica certifica e garante que o alimento que ela produz é sem veneno, ela mente. Os agrotóxicos evaporam até 50% durante as aplicações, sobem às nuvens e caem em forma de chuvas e neve sobre todos os continentes, florestas, oceanos e polos. E os ursos polares e pinguins, as baleias e as araras tem quase tanto veneno nos seus corpos quanto as pessoas nutridas com alimentos criados abaixo de agrotóxicos. O que se pode garantir é que o produto foi produzido sem o uso de agrotóxico. Portanto, a exigência básica de um novo paradigma científico é: produzir alimentos de elevado valor biológico, porque sem veneno já não é mais possível.

Em solos decaídos, com crostas superficiais e “hard-pans” sub superficiais, infiltra-se menos água pluvial, que em sua maior parte, escorre. Se instala a erosão, provocando enchentes. E, em seguida, os rios não têm mais água e são secos, as represas hidrelétricas são quase vazias e consequentemente surge o “apagão”.

Aqui, nestes solos, as plantas com espaço radicular limitado pela laje dura, desequilibradamente nutridas por receberem somente 3 elementos (NPK) em lugar dos 45 que necessitam, não somente alcançam menos nutrientes, mas também menos água, por explorar somente uma fração muito limitada do solo. Subnutridas, gastam mais água. Por isso estão sendo irrigadas e muitos rios já estão secos a cem ou mais quilômetros antes da desembocadura. Enfim, é uma ciência puramente fatorial e sintomática. Se aparece um sintoma desfavorável, a ciência logo em seguida pesquisa como combatê-lo. E sintomas desfavoráveis continuam aparecendo sempre mais.

Isso é ciência ou conveniência que incentiva o mercado?

Na Agricultura de Precisão, as análises químicas, executadas através de computadores dirigidos por satélites em sensoriamento remoto, determinam a quantidade de adubos (NPK) que o solo em um determinado lugar necessita, por exemplo para a soja. É super preciso. Mas acontece que não existe soja em si porque cada variedade possui outro potencial e sistema de absorção. Existe, sim, a quantidade de adubo para a variedade, por exemplo, de soja Industrial ou Hood. Se a indicação é somente para soja em geral, pode aumentar a colheita em 40% dos casos e não aumentar ou baixar a colheita em 60% dos casos de modo que é super empírico, apesar da precisão das análises.

Também determina-se a matéria orgânica de um solo. Porém, não existe análise que determina o carbono; determinam-se as ”substâncias oxidáveis,” pressupondo-se que somente o carbono se oxida. Mas em solos muito compactados ou adensados, e portanto anaeróbios, também nitrogênio, enxofre, ferro, manganês, alumínio e outros se oxidam, por serem a maior parte dos nutrientes em estado “reduzido”, isto é, ligado ao hidrogênio em lugar do oxigênio. De modo que a análise pode mostrar uma quantidade elevada de ”matéria orgânica”, que de fato não existe. Num outro tipo de análise de carbono, determina-se a quantidade perdida por combustão, isto é, queimado. Mas perdem-se não somente o carbono, isto é, a matéria orgânica, mas igualmente todos os carbonatos, como de cálcio, magnésio, sódio, etc. E num solo salino ou em salinação, como muitos de nossos solos irrigados do nordeste, aparece muita “matéria orgânica,” que de fato não existe.

Por outro lado, em solos compactados, onde as raízes somente conseguem se desenvolver nos 3 ou 4 centímetros superficiais como ocorre na ilha principal de Fernando Noronha e em várias regiões do sertão nordestino, a análise química mostra solos extremamente ricos, mas a vegetação é extremamente miserável com sintomas de muitas deficiências minerais e cheio de pragas e doenças. Acontece que as plantas não alcançam os nutrientes contidos e analisados do solo.

Já foram desenvolvidas 64 variedades vegetais transgênicas, ou exatamente Bt’s, especialmente hortaliças onde foi implantada uma proteína tóxica através de um gene do Bacillus thuringiensis, de modo que os insetos ou larvas deles, que querem comer suas folhas, morrem. Portanto, não tem mais insetos que as podem atacar. Acontece que as plantas somente são atacadas por insetos e doenças quando não conseguem formar até o fim uma substância, como por exemplo uma proteína e estas ficarem no meio do caminho, como aminoácidos. Aminoácidos podem ser atacados por qualquer inseto ou fungo, são lixiviados pela chuva e inclusive podem ter as folhas cortadas por saúvas (Atta spp). A variedade Bt não melhora o estado biológico e a saúde da planta, ela somente mata o parasita. Assim, as larvas da borboleta Ascia monuste orseis morrem quando agora tentam comer folhas de couve-flor, repolho, brócolis, etc. Os cultivos ficam limpos e protegidos contra a praga, mas sabe-se que elas somente atacaram plantas deficientes em molibdênio. Uma aplicação de molibdênio via foliar também teria protegido as plantas e ainda incrementaria sua saúde. Nas variedades Bt as plantas continuam a ser deficientes e a deficiência de molibdênio continua, agravando-se a cada cultivo. O alimento fornecido por estas plantas é biologicamente inferior, e a partir de uma deficiência muito severa, apesar de serem Bt, novamente são atacadas pelas larvinhas, o que ocorre em até 24% das variedades Bt. De modo que as variedades transgênicas não melhoram a situação das plantas, fora os problemas de saúde humana e ambientais que podem acarretar. Elas somente escondem o problema por mais algum tempo.

Esta é a razão porque se procura uma ciência agrária diferente.

Um novo paradigma da ciência agrícola tropical

Quando se procura uma ciência agrícola sustentável para o Brasil, três coisas estão evidentes, ou seja, a ciência tem de ser:

1- Holística – vendo o inteiro e suas inter-relações, como por exemplo, o ciclo da água. Este revela porque a água doce está cada vez mais escassa em nosso globo, enquanto as quatro matérias que fazem parte deste ciclo, a saber: oceanografia, metereologia, edafologia e hidrologia não o podem revelar. Faltam as inter-relações.

Ou o fim da matéria orgânica: não é ter NPK em forma orgânica, mas de ser alimento para a vida do solo, que o agrega. Somente em solos agregados as plantas tropicais produzem bem. Portanto, a matéria orgânica tem de ser aplicada à superfície do solo onde se precisam os poros de infiltração de água e arejamento e nunca pode ser enterrada.

2- Sistêmica – a agricultura trabalha aqui com ciclos e sistemas e não com fatores. Por isso se fala em ecossistemas, ou seja, os sistemas existentes em um determinado lugar. Nada é separado, tudo é dependente e interligado e a lei da relatividade vale para toda a natureza. Tudo é relativo, nada é absoluto e até a própria matéria se forma de energia livre (luz) pela fotossíntese e desaparece em forma de energia livre (calor) durante a decomposição.

3- Causal – isso significa que não se combatem sintomas mas procuram e manejam-se as causas. Por exemplo, a erosão é a consequência da compactação dos solos. Então não se combatem somente as voçorocas causadas pela água que escorre, construindo curvas de nível e terraços, mas corrige-se a compactação do solo fornecendo matéria orgânica. E não se fazem obras gigantescas contra as enchentes, mas se fornece matéria orgânica à superfície do solo para agregá-lo e fazer a água pluvial infiltrar-se.

E como o enfoque holístico é ecológico, ele vê todos os fatores de um ecossistema e suas inter-relações. “Eco” vem da palavra grega “oikos”, lugar, e inclui todos os fatores ativos de um lugar em sistemas e ciclos. Solo-clima-plantas são intimamente interligados. Assim, quando uma variedade de flores ou hortaliças é importada da Holanda, Itália ou EUA o uso de composto pode, mas não precisa ser o suficiente para nutrir bem esta variedade porque ela vem de outros solos e outro clima. Sua resistência a doenças em seu lugar de origem não quer dizer que é também resistente em nosso clima e solos. Em cada ecossistema, plantas e nutrientes se comportam de uma maneira diferente. Não existe padrão que abranja todos os solos, climas e altitudes.

Em clima temperado, as plantas têm muito mais dificuldades de absorver cálcio do que em clima tropical. Portanto o solo tem de ser bem mais rico neste elemento. E nos trópicos em 3500 m de altitude, como nos Andes, um solo com pH 2,7 que segundo o modelo temperado é paupérrimo em cálcio, abastece as plantas melhor com cálcio do que um solo tropical de pH 6,0 em 700 m de altitude.

O húmus (ácido húmico) que em clima temperado agrega o solo e aumenta sua CTC em clima tropical (ácido fúlvico) lixivia o solo, empobrecendo-o em cátions e diminuindo sua CTC; enquanto nos trópicos, em 3500m de altitude, desagrega e peptisa o solo por ter muito poucos cátions disponíveis e porque depende quase exclusivamente da atividade de fungos por ser a vida bacteriana muito reduzida. Cada ecossistema é diferente, não existem padrões e receitas como usados na agricultura atual, mas somente conceitos.

O solo deve ser mantido no clima temperado com uma temperatura ótima de 15 graus C e em clima tropical em 25 graus C. Isso implica no clima temperado em expor o solo ao sol, para se aquecer e em clima tropical de proteger o solo contra um excesso de insolação.

Como mostra a comparação dos solos temperados e tropicais, todos os fatores são diferentes. E enquanto no clima temperado com seus solos rasos e frios a acumulação de nutrientes é de maior importância, nos solos tropicais, quentes e profundos, até muito profundos, a base de produção é a “vivificação” do solo que possibilitou o desenvolvimento da mata mais frondosa do mundo, a amazônica, crescer em solos extremamente pobres.

A ciência agrícola não pode ser padronizada para o mundo inteiro, mas tem de ser ecologizada.

Não pode trabalhar com fatores mas com sistemas, e antes de tudo não pode visar somente o lucro e a exportação mas o bem estar de todos e a alimentação das populações. Enquanto em 1950 existiam no Mundo 25 milhões de famintos, atualmente são 820 milhões. E parece claro que enquanto o agrobusiness destroi os solos, água e ar em busca de lucros fáceis, a pobreza acaba com o resto na busca desesperada por alimento.

E se a raça humana pretende sobreviver, tem de mudar fundamentalmente o enfoque da Ciência Agrária (para holística), mudar a orientação da pesquisa (para sistêmica) e acima de tudo orientar a agricultura para o que foi verdadeiramente fundada: nutrir as pessoas e manter sua saúde.

A finalidade de uma ciência nova deve ter como meta: solos sadios e alimentos de elevado valor biológico. E isso se baseia numa ciência holística, sistêmica e causal.

Texto sem data.