Agroecologia ou Agricultura Natural

Sustentável somente é o que conserva e mantém a vida. Tudo que destroi a vida tem fim previsiível. Por isso, a agricultura convencional que trabalha com solos mortos, sem vida, não é sustentável. 

            Atualmente, quando se trata do solo, considera-se somente a parte física (argila, areia) e química (nutrientes). Raramente se consideram também os micróbios, considerando-os como  um “capricho da natureza” e que servem como rizobactéria para fixar nitrogênio ou como micorrizas para captar fósforo, mas que, em geral,  somente vivem como parasitas. Poucos consideram a parte viva do solo, sua microvida, como parte integrante do ser vivo, que é o solo.

 Um professor colombiano, Jairo Restrepo, diz: “A Agricultura Convencional trabalha com solos mortos, sem vida, explorando cientificamente com tecnologia sofisticada os cadáveres dos solos, e esta tecnologia  ainda foi  desenvolvida em clima temperado para solos temperados e transferida para o clima e solo tropical“.

 Utilizam-se adubos químicos, biocidas (agrotóxicos, inclusive herbicidas, queimam-se os restos orgânicos,  irriga-se e  usam-se enormes monoculturas de plantas geneticamente modificadas, mantêm-se o solo limpo de qualquer vegetação nativa, impedindo  seu abastecimento  com  matéria orgânica (M.O.).   Acredita-se que M.O. é NPK em forma orgânica em vez de compreender que é  alimento para a vida que torna o solo ativo e  produtivo.  Utilizam “os cadáveres” de solos  como suporte das culturas e da tecnologia até que estes são  totalmente  compactados e salinizados, entrando em desertificação. Também o cadáver humano está sendo explorado cientificamente, retirando-se o coração,  rins, fígado ou pulmão para transplante. Mas  isso não devolve mais a vida. É somente rapinagem. O que está errado?

            O solo tropical é totalmente diferente do temperado. Não é um solo temperado desfavorável para o plantio,  mas é o solo próprio para o clima tropical.

                                                                                                                            

                          Solo temperado                           Solo tropical                                    

Solo :Profundidade    raso                                          profundo                             

       Riqueza mineral : elevada                                    muito baixa                         

       Agregação            cálcio                                       ferro e alumínio                    

       Calor                    tem de captar o máximo           tem de ser protegido  

       pH                        neutro (6,8 a 7,0)                     ácido (5,6 a 5,8)                  

Vida   do Solo           pequena                                    muito grande  (100 x maior)                                                                

Argila                          rico em Silicio                           rico em Ferro e Alumínio    

Cálcio                         corrige o pH                              é somente nutriente             

Biodiversidade pouca ,(tem de mobilizar)         intensa,(tem de  controlar)  

Matéria orgânica      acumula muita (2 m)                 decompõe rapidamente (3 cm)     

Biomassa                5,5 vezes menor que no trópico  produção elevada.                

Temperatura             baixa a média                             alta a muito alta                      

Chuvas                     fracas, parte em neve                 fortes a torrenciais                  

Estas diferenças fundamentais não são “um erro” de Deus, mas o ecossistema mais  favorável para a produção vegetal em clima tropical.

Os 3 segredos do solo tropical:

  1.  Como em solos extremamente pobres consegue-se crescer a mata mais frondosa do mundo (a amazônica)?
  2. Como um solo completamente esgotado em nutrientes, ”exportados” pelas culturas,  pode recuperar-se totalmente de 8 a 10 anos sob vegetação nativa(capoeira)? De onde vem os nutrientes minerais?
  3. Por que uma camada grossa de matéria orgânica (mulch) em monocultivos como cacau, não contribui nem à saúde, nem à produtividade da cultura?

A resposta é uma só:  pela Biodiversidade.

Não é o “retorno” dos minerais absorvidos pelas plantas e liberados dos seus restos orgânicos após sua decomposição, mas é a ativação de uma vida intensa e diversificada, possibilitada pela grande diversidade de vegetais acima do  solo e que mobiliza os nutrientes de silicatos.

Na horticultura, normalmente canteiros plantados e depois abandonados no mato,  p.ex. por falta de água de irrigação, produzem sem água, sem adubação, sem capina, verduras muito mais bonitas como as que foram convencionalmente tratadas. De fato, muitas vezes  são irregulares e umas são muito grandes e bonitas  e outras pequenas. Isso se deve ao replante malfeito. Quando recebem semanalmente adubo, diariamente água e frequentemente agrotóxicos, desenvolvem igual, tanto faz se suas raízes pendem para baixo, se foram virados para o lado e até para cima. Nas verduras abandonadas no mato, sem nada, a grande diferença é a posição das raízes (é bom checar). O mato mantém o solo agregado e úmido, mas a hortaliça malplantada, com a raiz virada para cima, podendo explorar somente um volume  de solo muito reduzido e superficial, é pequena,  enquanto que as bem plantadas, são bonitas.

            Da biodiversidade induzida por rotação de culturas, depende as culturas se gostarem ou detestarem. Assim funcho (erva doce) prejudica todas as hortaliças, menos o coentro. Todas as leguminosas,  embora ótimas companheiras para tubérculos e cereais, prejudicam violentamente alho e cebola.  O sorgo até pode impedir que o gergelim floresça. E girassol  e todas as solanáceas como batatinhas, tomates e fumo se odeiam e um prejudica o outro seriamente.

            Atualmente não há mais fruticultura ou plantação de café sem mato, para proteger o solo. O mato passou de inimigo à amigo.( Yamada,2003).

Normalmente se fazem análises químicas do solo e depois se aduba. Mas ocorre que em solos compactados, sempre desaparecem primeiro o cálcio e o potássio, depois o fósforo; e aparece o alumínio e o manganês tóxico,  de modo que não é o caso de adubar, mas oxigenar o solo. E isso se faz agregando-o através da aplicação e matéria orgânica.   

É muito mais fácil e seguro “corrigir”  agentes tóxicos como alumínio ou manganês através de matéria orgânica do que com calagem .  Por quê?  Porque solos compactados são anaeróbios, quer dizer, falta oxigênio, e quase todos os minerais que perdem seu oxigênio se tornam tóxicos. O que se necessita não e calcário para “neutralizá-las,” mas ar para oxigená-las outra vez. E quando se coloca matéria orgânica na camada superficial do solo, as bactérias fazem grumos (agregados)  que têm espaços vazios entre si, os poros, e por aqui que entra ar e água. O que vale na agricultura natural  são as interrelações entre os fatores, não os fatores.

Na Agricultura ecológica ou natural nunca se deve perguntar

O que faço? =  combatendo  os sintomas. Mas sempre perguntar:

Por que aparece? = combatendo  a causa dos sintomas.

Por exemplo: Nos curuquerês que atacam a couve-flor ou o repolho, não se pergunta :”com o que eu os mato ?”  Pergunta-se: “ Por que eles aparecem?”  Isto porque a planta é deficiente em molibdênio e não consegue formar proteínas. Adubando com molibdênio, as tracinhas brancas não põem mais seus ovos no repolho ou couve flor, porque não presta mais como comida para seus filhotes que não conseguem digerir proteínas.

Ou: por que aparecem os lagartos-de-cartucho no milho ? Até são de combate difícil porque somente é possível com aviação agrícola. Eles aparecem porque o broto do milho é deficiente em boro. Adubando com boro antes do plantio, não haverá lagartos-de-cartucho.

Ou porque apodrecem os mamãos por dentro? É a Antracnose, um fungo  (Colletotricum glocosporioides) que entra. Mas ele somente entra quando a planta é deficiente em cálcio. Então não se combate o fungo, mas a deficiência de cálcio, adubando com cal.

           Na natureza tudo é interligado solo – água – planta –clima – animal – homem.

O solo que não tem vida  é doente ou seja, morto. E a vida depende da matéria orgânica que alimenta os micróbios, que, entre outros, também  agregam o solo (tornando-o grumoso) descompactando-o. Nenhuma máquina consegue descompactar o solo, nem a rotativa, nem o císel, nem o arado ou a grade pesada. Podem romper camadas duras de solos compactados, mas agregá-los não podem. Este é um processo biológico. Sem agregados não entra ar nem água. Portanto, a matéria orgânica tem de permanecer na camada superficial do solo como é na natureza. Enterrada em até 30 ou 40 cm de profundidade como se costuma fazer, sofre decomposição anaeróbia, não agrega mais nada e somente produz gases tóxicas como metano (cheiro de pântano) ou gás sulfídrico (cheiro de ovo podre) muito tóxicas para as raízes das plantas. Estas fogem dos gases, permanecem na camada superficial , pobre e lixiviada, a procura de ar fresco.   Portanto, são mal nutridas e produzem pouco.

 É esse o maior problema da agricultura orgânica. Tomam o composto ou qualquer matéria orgânica como NPK em forma orgânica,  enterram-na e depois dizem: “ O NPK contido em 40 t de composto é somente a metade  da quantidade aplicado na agricultura convencional, por isso produzimos mal. Mas o caso não é esse. O problema é que M.O. não é NPK orgânico mas alimento para micróbios que, por sua parte, mobilizam os nutrientes. Cheirem as raízes. Se cheiram mal, a M.O. foi enterrada profunda demais e por isso a colheita é baixa.

            Mokiti Okada diz: a espiritualidade do homem depende da alimentação e esta depende do solo.

Solo doente – planta doente -homem doente.

Agricultura Natural é ecológica. Não trabalha com fatores isolados, mas com ciclos e sistemas naturais. P.ex o ciclo da água, ou a ciclo da vida, ou todo o sistema climático. Descobriram agora que a umidade do solo tem a mesma influência sobre o clima de que as correntezas marítimas (URS / USDA, 2004). E os dois juntos fazem o clima. Por isso existem dois satélites monitorando a umidade dos solos e quando há ciclones, é porque os solos estavam secos demais. A secura dos solos depende:

  • do regime das chuvas.
  • de sua  compactação ou porosidade, que impede ou facilita a penetração da água. Se há erosão e enchentes, pouca água infiltrou-se no solo.
  • do vento permanente que leva a umidade, (até 750 mm/ano) e baixa a produção em 50 ate 66 % (Grace, 1977).
  • da cobertura do solo (vegetação, espaçamento,  mulch, Plantio Direto, ou limpo por capina ou herbicidas, exposto ao sol).
  • da biodiversidade: quanto maior, melhor.
  • quanto melhor o enraizamento do solo,  tanto melhor as plantas são nutridas e mais umidade o solo consegue estocar. 
  • quanto maior a diversidade da vegetação,  tanto mais variada a vida do solo e tanto maior a mobilização de nutrientes.
  • do grau da salinização (quanto menor a drenagem, tanto maior a salinização).

 Os solos secam rápido quando mantidos limpos,( superaquecidos até 74 oC) graças a uma brisa permanente que funciona igual a uma bomba de água. A planta transpira água, o vento a leva e ela pode  absorver mais água do solo e transpirar mais. Desertos se fazem : (1) com solos compactados, que não deixam a água da chuva infiltrar-se ,(2) da exposição do solo à insolação (solo limpo) que aquece muito , (3)  o vento permanente  que leva a água transpirada pelas plantas e evaporada pelo solo. (4) da salinização, graças a uma irrigação sem drenagem. Existem desertos, como o de Kalahari, com 2.500 mm de chuva/ano.

Evitam-se desertos por solos agregados, protegidos p.ex. por “mulch”, ou plantas nativas, o mato, com “quebra-ventos” ou bosques, irrigação bem controlada (com drenagem) e rotação de culturas dessalinizantes como algodão, girassol, trigo saraceno, ou sorgo e um melhoramento substancial da condição social (a destruição dos solos torna a população pobre, e a pobreza destroi mais o solo até afundar na miséria e terminar no deserto.

A água doce,  segundo cálculos, deve acabar em nosso Planeta, em mais ou menos 40 anos,  porque se derrubaram as florestas, o vento entrou baixando as colheitas à metade , a agricultura convencional trabalha com solos “mortos” e compactados pela lavração profunda, o uso de adubos químicos (Klinkenborg 1993) , monoculturas e irrigação. Os solos são impermeáveis para ar e água. Alternam enchentes e secas.  Quando não houver mais água nos rios e aquíferos, não haverá  mais água nem para o gado e para a  irrigação, nem para as indústrias, nem para consumo humano. Aí nossa economia de mercado termina.

Destruiu-se o solo. O solo vive das plantas e as plantas vivem do solo. Em solo doente somente podem se criar plantas doentes, que não conseguem formar suas substâncias até o fim. Com substâncias semi-formadas ou semi-acabadas o valor biológico (nutritivo) é baixo. As plantas são  atacados por pragas e doenças atraídas por estas substâncias circulando na seiva vegetal. Alimentadas com plantas doentes, o homem também é doente, de corpo e alma. E os indianos dizem: ”A violência urbana tem sua origem na decadência dos solos.”

o As Bases da Agricultura Natural

  1. Não é uma tecnologia mas um modo de viver. Influi sobre a ética, cultura, moral, política, economia, o social e o meio ambiente.
  2. Enfoque holístico, isto é, de sistemas e ciclos e a atuação mútua. A natureza não se compõe de fatores isolados. P.ex. pesquisa-se o nitrogênio, mas este somente tem efeito positivo se ele existe em proporções certas com o cobre, ferro, molibdênio, etc. Mas estas inter-relações não se pesquisam mais. Estas proporções entre os nutrientes são iguais para todos os seres vivos, plantas, animais e homens. p.ex. Fe / Cu / Co = 500 / 10 / 1.
  • O Meio Ambiente é parte integrante da produção, como a biodiversidade, os bosques e os rios.  Sem bosques tem vento e com vento baixa a produção à metade. Quer dizer, com 50% da área florestada iria produzir o mesmo ou mais do que em 100% da área usada para agricultura. Se os solos compactam, começa a faltar água e sem água não tem possibilidades de irrigação. Sem vegetação nativa – mato  ou “segetação” – falta biodiversidade, e os solos produzem menos.
  • Matéria Orgânica usada como alimento para a vida do solo e não como NPK em forma orgânica. M.O. superficial traz muitos benefícios como um solo bem enraizado e  agregado, com suficiente ar e água, com uma vida ativa que mobiliza nutrientes e plantas sadias e produtivas. Nos trópicos, não se necessita de composto. A vida do solo aproveita mais a palhada, mas um excesso de matéria orgânica (como nos Andes, onde chega a 35%) não é vantajoso porque enturfa e em todo caso, não agrega mais e muitas vezes  dispersa o solo.
  • Bokashi é um adubo que se necessita se faltar a biodiversidade. Não necessita ser feito somente de farelos. Pode ser feito de material disponível na região, como p.ex. bagaço de banana + serragem + esterco de galinhas  e outros.
  •  EM (microrganismos Eficientes) é um “probiótico” e não um defensivo. Aumenta o metabolismo da planta e com isso sua nutrição. E plantas melhor nutridas são mais sadias. Como é composto de bactérias e fungos, necessita de muita matéria orgânica no solo para poder alimentá-las. Também  ajuda as sementes a nascer mais rápido. É especialmente usado para combater o cheiro ruim em chiqueiros, galinheiros, lixos urbano e com isso acabam também com as moscas. Limpa água poluída, tudo em função da decomposição rápida de material orgânico.

Vendo o inteiro em lugar de fatores isolados, trabalhando com as inter-relações e dando maior importância à microvida, sua alimentação e sua atuação, chega-se à Agricultura Natural sustentável, que garante bem-estar, saúde e paz.