No ecossistema nativo não existe ataque devastador generalizado de pragas e doenças. E quando se encontrar uma árvore praguejada na mata virgem, esta já estava condenada. Diz-se que a mata é milenar. A mata, sim; as árvores individuais, não. Estas nascem, crescem, vivem algum tempo e depois morrem, cedendo seu lugar a outras. Se uma árvore tiver 250 ou 300 anos é muito. Geralmente não alcançam esta idade.
No Sul do Brasil, nos cultivos de acácia-negra, o besouro-serrador (Oncideres impluviata) faz muitos estragos nas plantações, cortando galhos e árvores novas. Porém, existem áreas próximas às atacadas onde ele nunca entra. Por quê? O que é diferente nas áreas atacadas? Em São Paulo, o serrador somente ataca árvores deficientes em magnésio.
Coisa semelhante ocorre com as saúvas. Numa floresta sempre cortam as folhas de um ou outro pé e nunca dos outros. Num canteiro de rosas sempre desfolham uma variedade e as outras não. E, geralmente, são pés enfraquecidos por alguma razão.
No cultivo de trigo aparece o pulgão, geralmente em “reboleiras”, não atacando o restante do campo. Por que aparece somente aí? E inspecionando estas áreas atacadas, constata-se que são manchas com terra mais compactada e seca, com o subsolo à vista pela erosão, ou de qualquer maneira desfavorável ao crescimento do trigo e de suas raízes.
Na Argentina existe o cancro-cítrico, como no Brasil. Mas não existe campanha de erradicação. Ninguém se impressiona com ele. Tomam seu aparecimento como carência aguda de matéria orgânica e talvez de alguns micronutrientes, que se tornam pouco disponíveis se faltar matéria orgânica. Tudo depende do trato da terra!
Quanto mais “velho de cultura” um solo estiver, tanto mais pragas e doenças se alojam em seus cultivos. Não seria um sinal de que nossa tecnologia não é capaz de manter as condições do solo recém- desbravado? E quando não se sabe o que fazer, abandona-se a terra para que a natureza a recupere.
Nenhuma peste e praga, tanto faz se se tratar de fungos, bactérias, vírus, insetos, lagartas ou nematoides, pode prejudicar uma planta com sistema radicular vigoroso e em equilíbrio nutricional. Muitas vezes, plantas em equilíbrio nutricional são evitadas pelos parasitas por não oferecerem condições vitais. Plantas em crescimento vigoroso não são atacadas. Porém, o crescimento forçado por altas doses de nitrogênio não é vigoroso. Ao contrário: plantas grandes com tecido pouco firme e seiva aguada são um verdadeiro eldorado de parasitas.
É bem conhecido que a adubação com NPK facilita doenças fúngicas em cereais, frutíferas e outras culturas, especialmente hortaliças. Assim, os tomates adubados têm casca fina, tecido mais mole e apodrecem mais facilmente; o trigo é atacado por oídio e helmintosporiose; no algodão, as pragas são mais variadas. E todas as culturas têm de ser defendidas porque não alcançariam sua maturação e produção se o homem não as socorresse. Todos reclamam que as frutas e verduras têm menos gosto, o café menos aroma que antigamente. Antes, se alguém fazia café toda a vizinhança ficava sabendo por meio do cheiro gostoso. Atualmente nem na própria cozinha se sente o aroma do café.
Já faz 50 anos que se diz que NPK prejudica o gosto e o valor nutritivo dos produtos agrícolas. O problema não é o adubo, mas o desequilíbrio entre os nutrientes que uma adubação unilateral provoca. Por isso o valor biológico dos produtos é baixo.
Que é valor biológico?
Valor biológico é a possibilidade de a planta formar todas as substâncias de que é capacitada geneticamente. Assim, trigo deve formar proteínas e antes de tudo, glúten, para possuir alto valor de panificação. Trigo adubado com somente NPK e com deficiência de micronutrientes consegue formar poucas proteínas. A maior parte dos aminoácidos circula livremente na seiva vegetal. Este trigo é biologicamente incompleto, menos nutritivo, com menor valor de panificação e menor resistência a doenças. O café forma somente poucas substâncias aromáticas; no milho, os grãos ficam ricos em amidos, com aparência farinhenta, mas são pobres em proteínas.
Por quê?
Uma planta necessita de 24 a 32 nutrientes minerais, até hoje conhecidos; talvez sejam mais. Destes, mais ou menos 16 são essenciais ao desenvolvimento e frutificação. Os restantes não são considerados “essenciais”, são necessários para a formação de proteínas, açúcares complexos, substâncias aromáticas, vitaminas, corantes, toxinas para a defesa vegetal etc. Se eles faltarem, as plantas crescem e frutificam, mas são sem valor, sem sabor, sem defesa e sem resistência.
Os nutrientes minerais dividem-se em macro e micronutrientes. Os macronutrientes são os que se necessitam em grande quantidade; os micronutrientes, e a maioria pertencente a estes, usam-se em pequenas quantidades, às vezes somente em traços. Mas a quantidade não é testemunha de importância. Os nutrientes-traços, ou micronutrientes, geralmente são ativadores de enzimas, que são substâncias que catalisam processos químicos, ou seja, ajudam nestes processos sem entrar neles. Sem enzimas, estes processos também ocorrem, mas muito lentamente. Assim, uma reação com enzima demora 2 minutos; sem enzima, leva 3 horas. Deste modo, uma planta que não possui enzimas ativas é pobre em relação ao que poderia ser se tivesse enzimas funcionando.
As enzimas são proteínas, enriquecidas por uma vitamina, a coenzima, e ativadas por um metal, que pode ser um macronutriente, como potássio, ou magnésio, ou um micronutriente, como boro, cobre, manganês, zinco, cobalto, molibdênio, níquel, chumbo ou outros.
Graças à nossa tecnologia, conseguimos produzir frutas, grãos e verduras de formas apresentáveis e perfeitas. Mas parecem caixas sem conteúdo. Todas as substâncias que zeram sua riqueza, seu conteúdo e gosto atualmente existem só em quantidades mínimas.
Há pessoas que aconselham comprar somente as frutas e raízes menores, as verduras defeituosas e desiguais, porque acreditam que assim seriam integrais. Mas, pergunta-se: como podem ser melhores se foram criadas de maneira idêntica aos outros, com a mesmíssima tecnologia? Por que, de uma lavoura convencional de tomates, pimentão, alface e cenouras, os pequenos e deformados devem ser melhores? São tão ruins quanto os grandes e bonitos, mas são ainda piores, porque são o refugo, impregnados com agrotóxicos e tão pobres e sem gosto como os grandes.
Isso deriva da crença de que produtos biológicos têm de ser deformados. Por quê? De terras sadias saem produtos sadios, grandes, representáveis e bonitos. Se “orgânico” e “biológico” somente significar “sem adubo” e “sem agrotóxico” e a terra onde é cultivada é decaída e gasta, esta visão pode ser exata. Mas nem por isso é lamentável e errônea, porque de solos decaídos não saem produtos biologicamente integrais.
Antigamente, todas as culturas eram selecionadas para o solo (geralmente os mais férteis; evitando-se os marginais, de baixa fertilidade) e o ambiente nos quais deveriam crescer. Atualmente, as sementes são criadas em lugares distantes do local de plantio sob determinadas condições de tecnologia, especialmente adubações pesadas, irrigação e defensivos, e as terras necessitam ser adaptadas a estas variedades exóticas ao ambiente no qual serão plantadas.
Assim, as sementes de verduras plantadas no Brasil são criadas nos EUA e Holanda, países nórdicos com clima temperado e solos pouco intemperizados, portanto, mais ricos, mas menos profundos. Sua capacidade de troca de cátions está entre 60 a 150 equivalente miligramas (argilas esmectita e vermiculita; chegando a 200 em solos orgânicos), enquanto entre nós é de 1,0 a 15 equivalente miligramas por 100 g de terra (ou cmolc/dm3; com argilas caulinita e óxidos e hidróxidos de fer- ro e alumínio). Lá, uma adubação elevada com NPK não desequilibra ainda o lastro de micronutrientes, por existir uma reserva grande nos solos. Entre nós o desequilíbrio é quase imediato, pois se ainda for um solo marginal, de baixa fertilidade e sem matéria orgânica, ocorre uma de ciência múltipla de nutrientes essenciais naturalmente.
Além disso, nosso estrume de curral ou nosso composto não conseguem modificar muito a fertilidade do solo, porque provêm de solos “pobres”, onde lajes impedem o aprofundamento das raízes. Se pudessem explorar uma camada mais profunda do solo certamente seriam mais ricos. Plantas adaptadas com raízes maiores e mais fortes conseguem ser ricas mesmo em solos pobres, porque conseguem explorá-los melhor. Enquanto não recuperarmos nossos solos e não criarmos ecótipos (adaptados ao ambiente), sempre teremos culturas biologicamente deficientes, tomadas de pragas e doenças. E, em solos muito decadentes, nenhuma adubação adianta muito porque o aproveitamento será de deficiente a nulo e pode chegar até a ser negativo, conforme a concentração de adubo e a de ciência de oxigênio para o metabolismo.
Isso é demonstrado de maneira impressionante em Fernando de Noronha. A ilha principal possui solos de cinzas vulcânicas muito ricos em nutrientes minerais, talvez os mais ricos da América Latina. A partir de dados de 63 análises destes 1.500 ha da ilha principal, feitas pela Embrapa de Pernambuco, podia-se esperar encontrar um verdadeiro eldorado vegetal.
O clima tropical com 6 meses de chuva e 6 meses de seca, com 1.400 mm de precipitação/ano, no meio do oceano, deixava supor uma vegetação luxuriante. Mas, de fato, existe lá a caatinga mais miserável do Nordeste.
Isto se explica porque a terra é totalmente compactada e, a partir de 5 cm de profundidade, não entram mais raízes. A água escorre na sua maior parte. O vento é permanente e impede o restabelecimento de uma vegetação arbórea. Existem somente algumas matas residuais.
Todas as culturas anuais mostraram uma carência aguda de cálcio e isso em solos que, em parte, beiram a níveis extremos de cálcio ainda suportados pelas plantas. No gado bovino e caprino são comuns convulsões tetânicas por causa da hipocalcemia, ou seja, falta de cálcio e, se não receberem uma injeção de gluconato de cálcio, morrem.
Isso mostra que a riqueza mineral de um solo não garante ainda a boa nutrição vegetal. A quantidade de chuvas que cai não garante sua penetração no solo. E somente a água que penetra no solo rega as plantas!
Uma planta somente é bem nutrida se consegue absorver e metabolizar os nutrientes existentes no solo. E isso depende das condições biofísicas favoráveis. Portanto, mesmo em terras ricas, as plantas podem ser pobres e fracas. E o que a planta não pode retirar da terra, o animal e o homem não podem receber, ficando igualmente fracos.
A resistência de uma planta não ocorre graças aos nutrientes no solo, mas graças às substâncias metabolizadas. Planta com valor biológico integral não serve como alimento para pragas e doenças/ patógenos.
O trecho acima faz parte do livro: Manejo Ecológico de Pragas e Doenças, de Ana Primavesi (veja na página de livros)