A cultura do centeio

Artur e Ana Primavesi

Não há cereal menos exigente do que o centeio. Nem a aveia pode vingar em solos tão ruins como aqueles em que ele ainda medra. Somente o trigo adlai (grão tartar) pode concorrer com o centeio, pois o seu período vegetativo é de 8 semanas. O trigo adlai não é cereal, mas da família das poligonáceas e na alimentação humana só serve para fazer mingau.

O centeio prefere terras frescas e permeáveis. Especialmente em climas úmidos, não suporta solos argilosos. Os melhores solos para ele são as terras pobres arenosas e silicosas, calcárias e vulcânicas. É a planta própria para um pH baixo, sendo o seu pH predileto entre 4,5 e 5. Em ambiente neutro ele deixa de medrar. Pode-se resumir que o centeio medra bem em terras onde outras culturas não darão mais colheitas econômicas.

Em areia pura, estepes,”heide”, terras drenadas de brejo e pântano, bem como derrubadas de florestas de pinheiros, em terras de culturas abandonadas cresce o centeio com sucesso.

Porém não medra em terras novas de cultura, ricas e muito humosas. Nestas terras esse cereal, planta resistente a todas as moléstias, especialmente a ferrugem, acama-se, fica acometido de ferrugem e não produz grão. Especialmente as terras muito ricas em nitrogênio não são aptas  para produzir centeio. Não há planta de cultura mais rústica e mais modesta que esse valioso cereal.

Adubação:

Apesar de ser o centeio não somente o mais modesto cereal mas também a cultura mais modesta de todas, retira ele do solo quantidades de nutrientes iguais às que retira o trigo, cereal mais exigente, e até retira mais potássio do que este. Conclui-se por isso que a exigência específica das culturas em sais minerais de pronta disponibilidade depende da sua “potencia radicular”. As raízes de centeio, que atingem sua maior longitude na época da florescência (até 2 metros), têm uma relação de peso com as partes vegetais do centeio. Suas raízes não atingem profundidade maior do que 25 cm mas espalham-se densa e paralelamente à superfície da terra. Todos esses fatos tornam quase incompreensível a enorme potência radicular desta planta, que deve depender de fatores ainda desconhecidos.

O consumo em potássio é muito grande mesmo um excesso deste nutriente não prejudica de modo nenhum o centeio. O nitrogênio, porém, apesar de muito importante para a produção de grãos graúdos, prejudica facilmente o centeio, provocando acamamento e tornando-o altamente suscetível à ferrugem. Fora disso é hoje já de conhecimento geral que o nitrogênio orgânico aumenta o teor em proteínas, enquanto o salitre aumenta somente o teor em não-proteínas (amidos, etc.).

A relação entre os três nutrientes principais deve ser a seguinte:

Acidez fosfórica:100; nitrogênio: 22 e potássio:66.

Uma tonelada de trigo por hectare retira do solo: 69,71kg de nitrogênio, 46,14 kg de acidez fosfórica e 106,44kg de potássio. O centeio retira do solo as mesmas quantidades de nutrientes que o trigo: só em potássio retira até 112,90kg.

Se se quiser adubar o centeio, recomenda-se aplicar a adubação já na adubação verde, pois isso produz ainda melhores resultados. E o centeio, em terras fracas e muito pobres é altamente beneficiado por uma adubação verde, seja tremoço, mucuna, feijão-de-porco, feijão-fradinho, serradela, sola ou qualquer outra leguminosa. Adubando a leguminosa para a adubação verde, tem-se a vantagem de:

  • Só se precisar adubar com a metade da quantidade de adubo indicada pela análise do solo, porque a leguminosa, estimulada pela adubação moderada, desenvolve muita massa verde e mobiliza grandes quantidades de potássio e fósforo na terra;
  • Deixar a adubação verde todos os nutrientes em forma orgânica para o centeio, além de arejar a terra.

CONCLUSÃO

Nenhuma cultura existe que mereça tanta atenção como a do centeio. Se o Brasil plantasse centeio em quantidade suficiente, não existiria o problema do abastecimento em grão panificável. Poderíamos produzir o nosso próprio pão nas terras abandonadas, poderíamos realizar o cinturão verde sem grandes despesas e sacrifícios. E, além disso, teríamos um pão muito mais saudável que o comum. Não há a menor dúvida que um pão com 70% de farinha de trigo e 30% de farinha de centeio é mais gostoso que o de trigo puro.

Melhor seria ainda se o povo se acostumasse a comer tanto o pão de centeio como o de trigo, porque assim seria muito mais robusto e são. Sabemos que o Brasil não é somente um país de futuro, sabemos também que seu povo está destinado a ser um dos mais adiantados culturalmente. Isso não seria possível, porém, se arruinássemos a saúde nacional com alimentação deficiente. As culturas exigentes já não tiram do nosso solo aquilo de que o nosso corpo precisa para ser forte.

As raízes de tais culturas são fracas demais, não possuem a potência de extrair das ligações de difícil disponibilidade os minerais nutritivos. Somente uma recuperação demorada e dispendiosa devolveria a força antiga aos nossos solos.

Mostramos aqui as nossas grandes possibilidades na cultura do centeio. Cultura modestíssima, ela dará ao lavrador não somente a força de executar a sua árdua tarefa de recuperação; além disso, a cultura de centeio influiria muito positivamente o orçamento nacional, dispensando as enormes e dispendiosas importações de grão panificável.

O Brasil, se quiser, pode produzir o seu pão.

O artigo transcrito pertence a uma série de livretos desenvolvidos pelo casal Primavesi quando trabalhavam na Universidade de Santa Maria, na década de 1960.

Todos os livretos serão republicados pela editora Expressão Popular a seu tempo.