A agricultura como negócio; o negócio da agricultura

É com alegria que fiquei sabendo de sua intenção de plantar de maneira orgânica, sem adubos, sem veneno, somente tratando o solo com cuidado e amor. Pode parecer um absurdo porque atualmente a agricultura oficial depende de tantos adubos, calcário, e defensivos, defensivos e irrigação. Enfim, depende de muitos insumos. Por que? Porque ela trabalha premeditadamente com solos mortos para criar um mercado para seus agroquímicos.

Ela mata primeiro os solos por uma aração profunda, onde ela asfixia o solo vivo pela calagem e onde ela elimina boa parte da matéria orgânica que servia de alimento para a vida do solo. Se tiver ainda possibilidade do solo ter alguma vida, eles adubam com bastante nitrogênio do qual mais da metade se perde para o ar ou é lixiviado, somente servindo como poluente do ar e da água, mas com a sobra de N consegue gastar o resto da matéria orgânica, ou seja do carbono, uma vez que permite que a vida do solo pode digerir as partes mais duras da matéria orgânica com a relação de C/N (carbono/nitrogênio) baixa: 12-16:1.

Substâncias com muito carbono e pouco nitrogênio, os microrganismos não conseguem digerir, como por exemplo as ligninas, isto é, as substâncias duras do caule, das folhas e das raízes. Mas quando aparece mais nitrogênio, os micróbios comem e digerem de vez o resto da matéria orgânica e o solo fica desprovido de todas as substâncias que podiam manter sua vida.

Do solo depende absolutamente tudo: água – clima – alimentos – saúde vegetal animal e humana. O solo morto somente serve de suporte para as plantas para que elas fiquem em pé. Quem produz aqui são os adubos e quem mantém as plantas livres de pragas e doenças são os agrotóxicos. O solo vivo produz por si as colheitas. Portanto a produção agrícola não depende de um maior espaço para plantar, desmatando todas as florestas e reclamando contra o Ministério do Meio Ambiente. A produção agrícola depende das condições saudáveis do solo e estas somente existem quando o solo é protegido contra um excesso de insolação, o impacto da chuva e o vento permanente.

Sem vida o solo fica compactado, duro, e a água da chuva, em sua maior parte, não consegue mais penetrar. Ela escorre causando erosão e enchentes e em seguida sobrevém a seca. As fontes secam, os rios têm cada vez menos água, os açudes e represas secam… E a água não falta porque Deus nos quer castigar mas porque destruímos os solos. No nordeste fizeram-se muitos açudes pra guardar água mas esta água serve somente para os homens e os animais, mas não para as lavouras por causa de sua salinidade. Com muita razão os nordestinos perguntam:

  • Por que vocês fazem tantos açudes para nós, que não servem pra irrigação mas somente para o gado e o homem beber, uma vez que a água deles é salina e saliniza os solos?
  • Por que não tornam acessível a água do subsolo que em parte é salino mas em parte é doce e aproveitável, em lugar de fazer a transposição do rio São Francisco, que quando chega ao nordeste já tem muita água evaporada e o resto será rico em sais, que em pouco tempo inutilizarão todos os solos onde for usado?
  • Por que não fazem barreiras de árvores para impedir a livre passagem do vento, que leva até 62% da umidade da paisagem e torna tanto o clima como os solos secos não permitindo a agricultura?
  • Por que não plantam arbustos que podem fornecer matéria orgânica para cobrir e proteger os solos da insolação direta?
  • Por que não pesquisam o efeito do solo sobre o clima?

Há muitos por quês não respondidos e os nordestinos dizem: “vocês não querem nos ajudar mas somente fazer obras faraônicas para ganharem muito dinheiro. O que nós precisamos não lhes interessa.”

Em toda agricultura acontece o mesmo. Insistem em vender muitos produtos e obras, não para ajudar mas para ganhar. E Chaboussou (Francis Chaboussou) disse: “os fertilizantes fazem as plantas mais suscetíveis às pragas e doenças. É a atividade biológica que aumenta a estrutura do solo e que produz.” Plantam-se culturas transgênicas para poder usar ainda por mais algum tempo este sistema agrícola e que nos EUA já é dominante.

A partir de 1952, com o início da Revolução “Verde” o mundo começou a depender de agroquímicos. Ela resolveu o problema da indústria do Primeiro Mundo que, depois da Segunda Guerra Mundial, estava à beira da falência. O Governo articulou um convênio (por isso se chama agricultura convencional) onde a agricultura comprava os químicos da Indústria tanto como os adubos como defensivos e entrou no negativo. Mas a indústria pagava impostos elevados e parte desses o Governo combinou de devolver à agricultura ( nos EUA, mais ou menos 90 bilhões de dólares, na Europa ao redor de 115 bi). Esta convenção é a base da riqueza do hemisfério norte. O sul também comprou os produtos industriais, todos produzidos pelas indústrias do Norte usando-os como adubos ou praguicidas, mas como não era o dono das indústrias em falência que tinham de se recuperar e os Governos locais não tinham nada para devolver à agricultura, esta, abandonada, somente se tornou deficitária sem ajuda alguma e os países  empobreceram rapidamente. Não porque o terceiro Mundo seria burro e incapaz como depois diziam mas porque foi enganado pelo Primeiro Mundo, que com este golpe ficou rico podendo inundar todos os países com seus produtos químicos, inclusive os agrotóxicos, enriquecendo mas arruinando a economia dos países do Terceiro Mundo.

A agricultura orgânica

A agricultura orgânica, como atualmente é concebida, foi criada na Europa onde muitos profissionais liberais como médicos, advogados, engenheiros, comerciantes, professores e outros queriam fornecer à sua família uma alimentação menos venenosa e mais saudável. Compraram pequenas chácaras fora das cidades, colocaram um caseiro para trabalhar e deixaram plantar sem agrotóxicos usando como adubo o composto, que não provinha de propriedades orgânicas. E como a produção era cara, queriam vender o que não precisavam mas naturalmente por um preço de acordo com seus custos. Aí começou toda a legislação orgânica para garantir ao comprador um produto “limpo”. Mas o problema era que os produtos, apesar de serem “orgânicos”, geralmente eram menores e muitas vezes bem mais feios do que os da agricultura química. Contentaram-se com a ideia de que sem adubos químicos não podia ser diferente e atribuíram a produção boa ao adubo químico. E aí está o erro. A produção não é pequena e às vezes feia por ser orgânica, mas por ser obtida de solos mortos. Os indianos dizem que ao redor de 1200 d.C. a produção agrícola, embora 100% orgânica, era de 2 a 3 vezes maior do que da melhor e mais adubada agricultura química.       

E o que é orgânico? Orgânico não e usar estrume no lugar do NPK. O orgânico é aquele que trabalha com o solo vivo em lugar do solo morto. E como o solo é vivo, com microvida intensa, necessita para esta vida alimentação, ou seja, muita matéria orgânica diversificada (aproximadamente 8 a 10 ton/ha). O problema não é o de fazer composto ou de usar um caldo de urina de vaca, mas de tornar e manter o solo vivo. E solo vivo é fácil de reconhecer: ele é agregado, caindo em grumos, cheiroso.

Temos de perguntar: como é um solo vivo? E como conservá-lo?

  1. Solo vivo é agregado sem camadas duras e sem torrões, necessitando para isso a colocação de matéria orgânica à superfície do solo e nunca enterrada.
  2. Tem de ter a máxima biodiversidade (rotação de culturas) excluindo as monoculturas.
  3. As raízes têm de crescer para baixo e não para os lados ou até para cima (o que ocorre pelo plantio mal feito, por lajes duras, ou graças à matéria orgânica enterrada que solta gases venenosos para as raízes).
  4. O solo tem de ser protegido contra a insolação excessiva e o impacto da chuva, fazendo-se um plantio adensado, implantação de uma cultura protetora (por exemplo soja ou amendoim bravo no milho ou usando simplesmente um mato pouco agressivo.
  5. Tem de ser protegido contra o vento.

O método SRI usado em grande parte da rizicultura irrigada asiática usa um aumento do espaçamento para produzir mais. Esta técnica se usa, em parte, também na Europa. Mas no trópico o solo não pode ser exposto ao sol e chuva, ao contrário, tem de ser protegido. A tecnologia do clima temperado não pode ser transferida para o tropical.

A agricultura orgânica, portanto, em nossos país, é uma agricultura que somente funciona com solos vivos e isso raramente se consegue já no primeiro ano depois de abandonar a agricultura convencional. Mas depende essencialmente da observação dos agricultores, ou seja, dos que lidam com o solo, uma vez que cada solo é diferente. Importante na transição e depois no manejo é manter o solo sempre coberto e por isso muitos optaram pelo Plantio Direto. Outros simplesmente mantém o solo coberto com uma camada de matéria orgânica que, após cada colheita, engrossam novamente, uma vez que muita matéria orgânica se decompôs. Outros usam a lavração mínima, onde só querem eliminar as ervas nativas mas não pretendem inverter o solo. E virando solo morto (abaixo de 15 cm) para a superfície, somente o mata não trazendo benefício algum.

Por fim, em solos vivos e saudáveis raramente se necessita de alguma adubação foliar. É o solo que produz, não a nossa tecnologia.