A adubação orgânica deve ser a principal forma de adubação em solos tropicais?

A formulação da pergunta deixa transparecer um enfoque reducionista e imediatista. Primeiro porque os solos produzem somente com NPK enquanto existir seu potencial produtivo. E mesmo se oficialmente no cálculo do VBC “produtividade” se denomina a quantidade de insumos aplicados, na realidade “produtividade” é a capacidade do solo de reagir aos insumos. E se o retorno da adubação aplicada não compensa mais, se abandona o solo para que seja recuperado pelas “invasoras”, ou seja, a vegetação nativa cujo segredo é o fornecimento de matéria orgânica diversificada.


A atual tecnologia agrícola, chamada de “convencional” é a arte de produzir em solos decadentes, destruídos, tornando-se a decadência como situação regular, as plantas carentes e suscetíveis como normais e as sementes fracas como a regra e investe-se agora pesadamente na biotecnologia por presumir que não existem mais plantas e sementes sadias e fortes.


Porém toda essa tecnologia desaparecerá como por encanto no dia em que acabarem nossas jazidas de fosfato, potássio e petróleo, que se necessita para sintetizar nitrogênio e produzir defensivos. Isso significa que, com o aumento populacional, não haverá mais recursos químicos para ajudar na produção agrícola. Mas, por outro lado, existirão exclusivamente cultivares, sua maior parte criadas pela clonagem, geneticamente condicionadas para aguentar e utilizar elevadas doses de NPK como o fazem atualmente as variedades HYV e HRV. Assim, nos EUA, usava-se por hectare de milho 480 kg de nitrogênio, 480 kg de potássio e 320 kg de fósforo, alcançando uma produção de 7 toneladas de grãos. Podemos prever que não haverá mais cultivares capazes de produzir sob condições normais adaptados aos solos e ao ambiente local. Quando acabarem as jazidas será apocalipse porque neste momento, a humanidade se deparará com o nada absoluto.

A destruição dos solos pelo uso irracional de recursos não renováveis para colher super-safras para exportação põe em risco a sobrevivência de nossos filhos e netos. Portanto é a obrigação de cada pesquisador e de cada produtor desenvolver a tecnologia para a agricultura do amanhã.


Pela física da termodinâmica e a física sub atômica sabemos duas coisas: primeiro que o nosso mundo terrestre e o cosmo inteiro são interligados em equilíbrios muito delicados porém estáveis, que permitem a eficiência máxima de todos os seus componentes. Mas puxando mais “brasa” para um fator, os outros serão prejudicados, destruindo-se o equilíbrio original e com isso a garantia de produção máxima e segura. Uma agricultura exaustiva e espoliativa não é sustentável a médio e muito menos a longo prazo, mas somente uma agricultura conservacionista, que garante a integridade dos solos e da vida dos nossos descendentes.


Através das plantas e a produção de matéria orgânica, possibilita-se a vida no Globo terrestre que, por si mesmo, é isento de energia. As plantas captam a energia solar transformando-a em energia eletromagnética e mais tarde em química, com que formam suas substâncias orgânicas. Segundo Einstein, “matéria é energia congelada”. Sabemos igualmente que cada reação química acarreta a transferência de elétrons, mas existe também a transformação de substância pela perda de prótons como o urânio ou a transformação em nível subatômico. Nada é estável, tudo é movimentação e transformação constante. Vendo o mundo como ele é, realmente, a questão da matéria orgânica não pode ser reduzida à pergunta: ponho ou não ponho composto, com ou sem minhocas no campo ou: ele é ou não é um adubo adequado?


A questão é: qual é a função da matéria orgânica na produção vegetal?

  1. A matéria orgânica não é somente adubo orgânico mas primordialmente CONDICIONADOR das propriedades da estrutura física da camada superficial do solo, modificando com isso os compostos químicos que servem de nutrientes (pela oxidação ou redução), o metabolismo vegetal (que dispõe de mais ou menos energia), a vida do solo (diversificação das espécies e quantidade), a quantidade de água que se infiltra e que evapora e a absorção de nutrientes.
    Ao mesmo tempo, espera-se que a matéria orgânica proteja a superfície do solo contra o impacto direto da chuva e o superaquecimento pela insolação direta.
  2. A adubação com NPK com ou sem prévia calagem não pode ser a adubação principal em solos tropicais porque:
  • acidificando os solos, aumenta o Al tóxico;
  • influi desfavoravelmente sobre a vida do solo especialmente sobre os fixadores de nitrogênio e animais pequenos, diminuindo e selecionando a atividade microbiana, facilitando a multiplicação de doenças e pragas;
  • desequilibra rapidamente os micronutrientes essenciais para a ativação de enzimas, provocando plantas biologicamente deficientes e pouco resistentes, necessitando de defesa por agrotóxicos.

As cultivares atualmente comercializadas são criadas para suportar e utilizar elevadas doses de NPK, sendo incapazes de viver sem elas. Mas a importância que se dá à adubação química, na prática reduzida ao NPK, é um enfoque extremamente simplificado da nutrição vegetal e não elimina o fato de que a Mata Pluvial dos Trópicos Úmidos, que parece idêntica em quase toda extensão territorial, somente em 10% cresce em terras quimicamente ricas. 90% estão em terras pobres a paupérrimas. Portanto, a mata, em sua imponência frondosa, não existe por causa da riqueza química dos solos mas pela riqueza química das superfícies dos solos (horizonte A). Existe por causa da mata e a reciclagem rápida de sua matéria orgânica.

Nas regiões tropicais, a matéria orgânica raramente produz húmus que deve ser considerado “matéria orgânica conservada”. Portanto, o manejo deve ser diferente.
Graças à matéria orgânica existe a agregação do solo a grumos, que, resistentes à água, formam os macro poros para a infiltração de água e a entrada de ar. Onde há erosão também há um arejamento deficiente do solo. Através de micro-bacias e murundus pode-se impedir o escorrimento da água mas não se pode aumentar a ventilação do solo.

Somente na decomposição aeróbia e semi-aeróbia da matéria orgânica as bactérias produzem coloides e consequentemente grumos e poros. Sem ar, o metabolismo vegetal pode baixar até 1/40 do normal e os elementos essenciais à vida vegetal se tornam tóxicos por redução. Portanto, não existe um solo produtivo sem retorno periódico de matéria orgânica.

Enquanto houver lajes limitando o espaço radicular, o plantio sem adubo químico é duvidoso porque neste caso compensa o menor volume de solo à disposição do vegetal pela maior concentração em nutrientes e que por sua vez obriga a irrigação. Eliminando as lajes ou “pans” por técnicas culturais adequadas, o volume explorado de solo aumenta e as plantas são melhor nutridas. A matéria orgânica não é, neste caso, nutriente, mas outra vez condicionador de solo. Entre as técnicas culturais temos:

  • O retorno periódico de matéria orgânica ao solo em forma de reserva e palha restante da cultura;
  • A rotação de no mínimo 4 a 5 culturas para diversificar a matéria orgânica adicionada ao solo;
  • Proteger a superfície do solo por consorciação de culturas, espaçamento menor ou cobertura morta para impedir o impacto direto da chuva e o aquecimento excessivo (acima de 32 graus C) do solo, que baixa a absorção e as reservas vegetais para a floração e frutificação;
  • Adubação verde para aumentar a massa radicular benéfica à porosidade e fornecer especialmente nitrogênio;
  • Plantio de culturas com poder de “subsolagem” como azevém, crotalária, guandu (segundo ano), etc.

Com isso se criará um ambiente favorável às plantas que conseguem se nutrir muito melhor, não pela quantidade de nutrientes adicionados pela matéria orgânica mas pelas condições favoráveis que cria. Mesmo continuando a usar adubos químicos, estes darão um retorno muito mais compensador enquanto a saúde e a resistência vegetal aumenta.

Quando se refere ao efeito milagroso de matéria orgânica não se visa tanto o resíduo mineral que libera na decomposição mas na ação biológica e física que melhora o “potencial produtivo” do solo.
Mesmo melhorando e recuperando os solos é necessário criar novamente cultivares adaptados aos solos e ambiente local para poder aproveitar ao máximo esses solos.

Nestas condições, existe a possibilidade de trabalhar especialmente com “adubação” orgânica como o faz também a natureza nativa com toda sua vegetação rica e luxuriante.

A resposta à pergunta inicial portanto é: a matéria orgânica é capaz de manter uma produção agrícola elevada enquanto se maneja a mesma dentro dos equilíbrios naturais e se trabalha com cultivares ecologicamente adaptados.