Em toda vasta literatura sobre a hileia amazônica, a “verdadeira floresta” como Humboldt chamou a floresta tropical úmida, consta que não existem minhocas (Lumbricus sp). Todos os cientistas concordam que ali, em lugar de minhocas, existem os cupins (Termitae spp.) porque o solo amazônico, em princípio, é muito pobre em matéria orgânica. Existe somente uma camada de 2 a 3 cm de folhas em decomposição e húmus, mas o solo abaixo é praticamente só mineral. É a famosa reciclagem rápida de toda matéria orgânica, para poder nutrir a mata imponente em um solo muito pobre.
A região vive da reciclagem dos nutrientes e da água. Os nutrientes são absorvidos, sobem na seiva, ajudam a formar folhas, frutos e madeira, as folhas caem, se decompõem-se rapidamente, liberando os minerais para que esses possam ser absorvidos de novo e ajudar formar, outra vez, folhas, frutos e madeira.
Com a água não é muito diferente. Chove, a água é absorvida, sobe às folhas, é transpirada, sobe às nuvens e no outro dia cai novamente como chuva. Somente cerca de 30% das chuvas vêm de fora. E sem mata tanto a reciclagem dos nutrientes como a de água se termina.
Os solos, em 86%, apresentam uma fertilidade muito baixa, sendo 40% arenosos, pelo menos na superfície, onde, mesmo sem poros, as raízes penetram bem, embora seja pouco profundo. As árvores mais majestosas somente ficam de pé porque uma suporta a outra. Não existem raízes para manter ereta uma árvore de 50 ou 60 metros de altura.
Isso explicava porque minhocas não podiam viver ali. E provavelmente era também o clima quente que não as agradava.
Porém, os cientistas mais famosos podem errar. Assim, por exemplo, nos solos da floresta dos trópicos úmidos da América Central, como na Costa Rica, as minhocas abundam. Certamente ali os solos são melhores, mais argilosos e com mais matéria orgânica. E na Amazônia?
Visitei uma fazenda no Alto Tocantins que tinha implantado pastagens. E ela era famosa, porque possuía pastagens de capim colonião, até com 15 anos, ainda vigoroso. Não era somente uma raridade na Amazônia mas único na região.
O proprietário, aliás, um paulista, não tinha ido à Amazônia para explorar e ficar rico à custo da mata e dos pastos, e sim para ficar lá. Ele amava sua terra não como um valor negociável, mas como um pai sua filha. Ele cuidava dela e sempre tentava manter o equilíbrio entre gado e pasto. Não sacrificava o pasto para o gado, nem o gado para o pasto. Os dois tinham de viver, e viver bem, para que conseguiram continuar.
Aí ele sempre retirava o gado quando tinham baixado o pasto até mais ou menos 50 a 60 centímetros de altura. O pasto certamente ainda estava alto e todos os outros riam. Quanta forragem desperdiçada com este sistema. Porém, os outros tinham de renovar seus pastos após 2 ou 3 anos, e o dele já rendia bem havia 15 anos. Nos outros, a lotação de gado por hectare tinha baixado de 1 animal para 0,2 e até 0,1 animal, mas a lotação dele se mantinha sempre em 1 rez/ ha.
Eu tinha de ver para crer. Então não eram clima e solo que impediam a “vocação para pastagens” na Amazônia mas simplesmente a ganância.
O capim colonião era exuberante e mesmo num pasto recém “pastado” ainda com 60 cm de altura, não se podia ver solo nenhum. Tudo estava coberto pela vegetação. A chuva tropical não podia bater no solo, mas era amenizada pela massa do capim. E as chuvas ali eram tão violentas que qualquer guarda-chuva quebrava nos primeiros dois minutos. Por isso não existiam guarda-chuvas na Amazônia, pois são proteção para chuvas mais mansas. Por esse motivo, solo desprotegido ali não funciona por muito tempo e se estraga pela violência das chuvas.
Abri a terra. Uma terra humosa, fresca, agregada, grumosa e com uma enorme quantidade de minhocas que pulavam quando retirei uma lasca de terra com a pá. Nunca tinha vista coisa semelhante e muito menos no paralelo 7 onde a terra somente deveria ter cupins. A ciência tem as suas regras mas a natureza também. E, cuidando do solo, ela agradece.
Relato retirado do livro: Pergunte ao Solo e às raízes – Uma análise do solo tropical e mais de 70 casos resolvidos pela agroecologia.
Este livro é publicado pela Editora Nobel. Quem tiver interesse em adquiri-lo, deve procurar na internet pela rede de distribuição da editora.