Um grãozinho de trigo caiu na terra, separado dos irmãos, sozinho e abandonado. Nenhum armazém protetor, nenhum irmão ali existia para uma folia alegre, nenhuma segurança e bem estar. Sozinho, jazia na terra úmida, tremendo de medo. Um besouro grande e cascudo apareceu. Será que ia comê-lo? O besouro riu. Não como trigo, sou “coprófago”, vivo de excrementos de animais.” “Que horror!” se apavorou o grão de trigo. O besouro não se incomodou. “Por quê?”- Ele perguntou. “Cada um de nós vive segundo a programação que o nosso Criador nos deu. E, se cumpro minha missão, posso estar tão orgulhoso quanto você. Já pensou se ninguém devorasse excrementos? O mundo seria inabitável.”
Tudo isso era demais para o grão de trigo. “E eu?”- quis saber ele. “Você é tão inteligente e tem tanta experiência, então me conta quem sou eu aqui nesse campo?” “Olhe,” – disse o besouro, “você não é nada. É somente um pontinho com a capacidade de captar vida e de germinar. E, para que você faça isso e saiba como deverá fazê-lo, carrega junto um computadorzinho ultra minúsculo com seu padrão genético e um pacotinho de ração de emergência.” “É a era da informática?” – o grãozinho quis saber. “Para Deus a informática e o software sempre existiram. Somente os homens a descobriram agora.”
Apavorado o grão de trigo começou a chorar: “a água está me molhando, está penetrando no meu corpo. Estou inchando! Oh, Meu Deus eu vou arrebentar!” O cascudo o observou gravemente. “Sei!” – retrucou ele secamente. Você vai inchar até estourar.” “E depois?” “Depois você vai formar uma plantinha de trigo como programado: alta, linda, com quatro ou cinco colmos, com espigas graúdas cheias de grãos de trigo, iguais a você.” “E para que serve então meu computadorzinho, se tudo já está pré-estabelecido?” “Bem,” – ponderou o besouro, “você é geneticamente programado como os homens dizem. Mas entre programação e a realidade, às vezes, tem uma diferença muito grande. Especialmente a terra deve estar em concordância com sua programação e conter o que você vai precisar para crescer, desenvolver, frutificar e maturar. Mas se a terra for arenosa, como esta aqui, pode haver problemas.” “E se ela não tem tudo que eu preciso?” “Então seu computador tem seu programa alternativo. Só que você não vai poder formar todas as substâncias que poderia ter formado; mas vai ser levado para frutificar e amadurecer, não se preocupe.”
Nesse instante, o grãozinho deu um grito de susto porque seu computador começou a trabalhar. Precisou de dados para seu programa. Em velocidade alucinante fez a análise química da água que penetrou no grão e depois perguntou: Tem nitrogênio? Tem, até está sobrando. Então pode crescer à vontade. Tem fósforo? Tem, ótimo! Não haverá problema com a energia. Tem potássio? Tem suficiente, mas está sendo prejudicado na sua absorção pelo nitrogênio. Formar mais fécula e menos proteínas e cortar substancialmente o glúten, foi o veredicto do computador. Tem cálcio? Mais ou menos. O computador resolve rapidamente: então terá que diminuir o número de flores férteis. Tem cobre? Pouco. Então terá que formar espigas menores. Tem magnésio? Pouco. Formar somente a primeira espiga e deixar as outras de lado e atrasar um pouco a maturação. Tem Manganês? Pouco. Produzir menos substâncias aromáticas, resolve o computador. Tem boro? Muito pouco. Então tem que diminuir as raízes. Tem zinco? Quase nada. Diminuir o tamanho das espigas. E assim foi e todo o programa foi alterado. O grão de trigo acompanhou tudo, sempre mais apavorado. “Oh, meu Deus, que será de mim? Os homens nos prometeram adubar, enriquecer a terra e fornecer tudo que necessitasse…”
O besouro riu. “Conheço isso. Eles fazem isso à sua maneira. Jogam sua famosa formula de N.P.K, ou seja, os três primeiros nutrientes, e o resto simplesmente esquecem.” “Mas por quê?” “Porque a maior parte dos nutrientes essenciais necessita em quantidades muito pequenas. Aí, eles acham que seriam dispensáveis, porque não sabem que estes nutrientes são muito poderosos e por isso são precisos tão pouco.” “Mas pelo que o computador disse, nada é dispensável,” soluçou o grão de trigo. “Sei que não são. Existem substâncias como os venenos de cobra onde uma gotinha mata um cavalo ou os agrotóxicos onde 1 litro pode matar toda vida animal num hectare. São substâncias poderosas. O poder não está na quantidade.” “Mas como fico agora?” O besouro olhou o grãozinho inchado com bastante pena e disse: ”Agora vai dar uma planta fraca, muito fraca, porque será carente. Vão chegar fungos e pulgões, e se aproveitarão disso, tentarão sugar sua seiva que é seu sangue.” O grãozinho de trigo nem pôde mais chorar de tanto desespero. “Mas os homens que me plantaram não vão me ajudar?” “Vão. Vão lhe irrigar para compensar suas raízes pequenas, vão lhe dar mais nitrogênio e para afugentar os parasitas vão lhe banhar em veneno. Enfim, vão lhe defender para você formar espigas e grãos. E assim, esperam produzir novas super-safras.” “E o veneno com que me banharão?” “Bem, destes vão ficar resíduos. Mas não se preocupe, ainda passarão mais veneno por cima de seus filhos, dos grãos que produzirá, para que estes não carunchem, porque também eles serão fracos.” “Então, gaguejou o grãozinho, meus descendentes serão fracos, deficientes e cheios de veneno?” “Justamente!”
E o grãozinho de trigo começou a chorar amargamente. Acabou seu sonho de se tornar uma planta forte e saudável com muitos colmos e espigas grandes, produzindo grãos sadios que alimentariam e fortaleceriam os que os comeriam. Agora não terão mais muito valor nutritivo, terão pouco poder de panificação… Ninguém que comerá seu pão será forte e bem nutrido. Tudo, tudo acabou.
“Por que os homens me enganaram, por que agem assim, por quê, por quê?” E nesse momento o grão de trigo arrebentou e um broto pálido entrou na terra.