A raiz, fábrica de nossas colheitas

O desconhecimento quase que total da raiz e de suas funções não diminui sua importância, assim como o desconhecimento da energia atômica não diminui sua periculosidade.

A raiz é a fábrica onde a planta produz as colheitas; é o armazém onde guarda suas reservas para a frutificação; é o gerador de energia e a fábrica em que se produzem amidos e aminoácidos.

De tudo que a folha fotossintetiza, ela manda mais da metade à raiz na forma de sacarose, que é de mais fácil transporte, quando posto nas “costas” de um transportador, o micronutriente boro. A raiz “desembrulha” primeiro o “pacote” transformando em seguida a sacarose em glicose e ácidos orgânicos.

A glicose a raiz reparte em três parcelas:

– a primeira vai ao estoque regulador da raiz; 
– a segunda é utilizada para criar o potencial radicular para a absorção da água e nutrientes, provocando a concentração de grupos carboxílicos (COOH) que criam o poder de tensão na seiva celular, que força a entrada da água;
– a terceira parte é usada para liberar energia, decompondo-a totalmente. Sem energia não há processos químicos. E nesses processos a raiz transforma os ácidos orgânicos em mini-ácidos, introduzindo na sua estrutura nitrogênio ou enxofre.

Estes, a raiz manda de volta à folha com a recomendação urgente de juntá-las o mais rápido possível a proteínas, enzimas, hormônios, etc. Essa remessa de aminoácidos é como dinheiro vivo no carro forte dos bancos. Existe o perigo iminente de serem roubados por fungos ou insetos e lixiviados pelas chuvas. Fungos atacam as folhas especialmente por causa dos aminoácidos. Constituem, portanto, um perigo para a folha. Mas transformados para proteínas são seguros, como dinheiro no cofre forte do banco que dificilmente pode ser roubado.

Mas esta transformação corre um risco grave em nossa agricultura convencional. Quando as plantas forem pulverizadas com agrotóxicos, parte destes podem entrar na estrutura dos aminoácidos. Agora a planta não consegue mais formar proteínas porque os aminoácidos não se ajustam mais na forma prevista, expondo a planta ao ataque de fungos e insetos. Também não consegue mais formar o suficiente de enzimas e hormônios, que nada mais são que proteínas sofisticadas. Faltam pois catalisadores dos processos químicos que teriam aumentado o crescimento e a produção vegetal.

A produção de energia depende extremamente da presença de oxigênio. Quando a decomposição de glicose ocorre, e que se chama de “respiração” porque se gasta oxigênio e se respira gás carbônico, o solo tem de ter suficiente oxigênio a disposição da raiz. O oxigênio do ar, que envolve a folha, não chega até a raiz, a não ser numa única planta de cultura, o arroz, que possui um sistema de tubulações especiais para transportar o ar da folha para a raiz. Se faltar oxigênio no espaço radicular do solo, a raiz lança mão de uma respiração anaeróbia ou fermentativa. Mas neste caso ela consegue somente 1/39 a 1/50 de energia que teria conseguido numa decomposição aeróbia, faltando portanto energia e gastando-se até as reservas para sua produção.

Mas como a energia não é liberada no lugar onde será necessária, ela tem que ser transportada para o lugar de sua utilização. E aí entra a substância mais milagrosa do metabolismo vegetal, o ATP (Trifosfato de Adenosina) que a leva onde tiver necessidade.

Portanto, sem fósforo não há transporte de energia, não há divisão celular, nem metabolismo ou crescimento.

Se o ambiente em que a raiz cresce é muito pobre, a raiz não consegue formar aminoácidos específicos. O jeito é produzir aminoácidos mais simples, como glutamina ou asparigina, mandando estes à folha, assim como mulher que não tem leite e dá somente água doce com maisena ao seu nenê. Mas agora a folha não tem jeito de formar proteínas e depositando os aminoácidos diretamente ou deixando circulá-los livremente na seiva.

Na análise bromatológica (que estuda os alimentos, sua composição química, sua ação no organismo, seu valor alimentício e calórico, suas propriedades físicas, químicas, toxicológicas, etc.) isso não aparece porque determinando “proteínas brutas” toma aminoácidos como proteínas. Para ela tudo é normal e até pode ser ótimo, porque normalmente a produção de glutamina e asparagina é maior do que os outros aminoácidos. Mas para a planta não é nada normal, seu valor biológico é baixo e sua resistência a pestes e pragas diminuta.

Fraca e exposta, a planta grita por socorro, e a raiz não sabe o que fazer. A única maneira de socorrer a planta é mandar mais cálcio, potássio e magnésio às folhas, pois com isso se pode reforçar as paredes celulares e coagular a seiva quando entrar em contato com o ar por ocasião de uma picada de inseto.

Quando se olha uma cultura agrícola verifica-se o “stand”: o desenvolvimento das plantas, sua cor e finalmente procuram-se pragas e pestes. Consideram-se o caule, folhas, flores, frutos, mas poucos consideram que é a raiz que mantém tudo. Tem até pessoas que acreditam piamente que a raiz somente ancora a planta no chão para que o vento não a leve e que tem a obrigação de absorver água e nutrientes para fornecê-los à folha. Se as chuvas forem mal distribuídas e o solo não tiver suficiente água, irriga-se.

A raiz somente é vistoriada quando atacada por nematoides, que fazem a planta murchar. E acredita-se fazer o máximo para as raízes inoculando as sementes com rizóbios ou micorrizas, que depois tem de fornecer nitrogênio ou mobilizar nutrientes. A tecnologia puramente sintomática levou-nos a uma visão absurda da agricultura em geral e da natureza em particular, acreditando-se tratar-se somente de fatores isolados que influenciamos, modificamos ou corrigimos como parece necessário. O conjunto solo, com toda sua vida diversificada, simplesmente não existe, o conjunto solo-planta-clima somente serve para ecologistas e o meio ambiente é palavra inventada por pessoas reacionárias que querem impedir o progresso do Brasil.

Escolhem-se sementes melhoradas, adubos, herbicidas e defensivos ou simplesmente agrotóxicos e se esquece, ou nunca se soube, que é a raiz que tem de construir a a planta com os minerais e a água que retira do solo. A semente dá o início da vegetação e as características genéticas. A raiz tem de fornecer e fabricar tudo que a planta necessita para crescer e frutificar. Ela é o “trato gástrico” da planta, mas também o regulador de toda vida vegetal. Quem pensa nisso? E quem pensa que somente podemos formar nosso corpo dos minerais que a raiz retira do solo e com os produtos que ela forma? E que criamos plantas deficientes, defendidas por tóxicos? Os produtos agrícolas não são somente mercadoria de uma determinada atividade humana. Eles são a base da vida.

Quando avistamos uma casa, sabemos que alguém a construiu. Se vestimos uma roupa, sabemos que alguém a costurou. Se comemos um pão, somos cientes de que alguém o amassou. Mas se enxergamos uma planta, acreditamos que ela formou-se espontaneamente graças aos adubos e à irrigação. Poucos consideram que também alguém a formou. E este alguém é a RAIZ.

Mas nossas colheitas se tornam cada vez mais caras em solos cada vez menos produtivos e mais decaídos, atacados sempre por mais pestes e pragas, resistentes a muitos tóxicos e que por isso se tornam cada vez mais perigosas. O ambiente está se deteriorando, ou seja, solo e clima, e raiz e planta estão lutando pela sobrevivência. Não é mais o crescimento luxuriante de anteriormente.

Graças aos cultivos comerciais em grande escala como o de algodão, café, cacau, cana de açúcar ou soja, perdeu-se a noção da habilidade das raízes de usar solos diferentes, secos ou úmidos, pobres ou ricos, ácidos ou neutros, e até salinos. Nivela-se a capacidade real dos solos por artifícios técnicos, como se nivelaram os hábitos de consumo das nações do mundo inteiro. Isso não contribui para baratear os cultivos mas para aumentar a venda de insumos.

Existem plantas para todos os tipos de solos, até para os desertos, e depende da raiz o que ela consegue fazer do solo em determinado clima e o caule e as folhas, como partes aéreas das plantas, acompanham a raiz. Uma raiz superficial, extensa e com uma parte aérea redonda e carnuda como a das cactáceas, são capazes de crescer em desertos. Plantas com vasos condutores de ar das folhas para as raízes, ou seja, com “arênquima”, podem crescer em pântanos e solos encharcados. Tem plantas que conseguem crescer em solos extremamente ácidos como a erva mate ou a seringueira e outras que crescem em solos salinos como as artemísias. Falamos, pois, de ecótipos ou plantas adaptadas ao meio em que crescem. Plantas invasoras sempre são ecótipos enquanto as culturas agrícolas raramente o são.

Antigamente existiam mais de 3000 espécies de plantas comestíveis e cultivadas no mundo, adaptadas a cada região e a cada tipo de solo. Atualmente são por volta de 15 espécies no mundo inteiro, forçando-se a adaptação por uma tecnologia sofisticada, encarecendo a produção e espalhando a fome. Esta diminuição não se deu por causa do desaparecimento dos ecossistemas e ambientes diferentes, mas por causa da monopolização das sementes por algumas firmas multinacionais. Por isso perdeu-se a noção da importância da raiz e ganhou-se a superestimação da tecnologia que tudo consegue, enquanto o preço não importa.

O atual sistema agrícola é de elevada capacidade de compactação e adensamento dos solos. Pela pressão das máquinas, a aração profunda, a destruição da matéria orgânica pelo fogo ou sua produção deficiente graça ao uso maciço de herbicidas e o plantio de variedades anãs, pela exposição do solo ao sol, ao impacto da chuva e finalmente pela monocultura, há o decaimento do sistema poroso dos solos e formam-se lajes e crostas superficiais que comprometem drasticamente o bem estar e o desenvolvimento radicular. E finalmente tenta-se compensar a decadência física dos solos pela sofisticação das técnicas químicas.

Raiz e planta verde são uma unidade. A raiz é formada pelas substâncias que a folha sintetizou e a folha é formada a partir dos produtos que a raiz absorveu e elaborou. Por isso, existe uma interligação muito estreita entre o tamanho da raiz e da planta verde. É a proporção broto/raiz. Uma raiz forte e sadia dá origem a uma planta forte e sadia e uma raiz fraca e doente dá origem a uma planta fraca e doente.

Após a germinação, o crescimento inicial da raiz é muito rápido. Quando a semente germina, aparece primeiro a raiz, e enquanto o brotinho ainda é pequeno e frágil, a raiz já se encontra em condições de absorver, para poder nutrir este broto, no momento em que as reservas da semente acabarem. Se a semente for pobre em carboidratos, a raiz nova cresce vagarosamente sendo incapaz de absorver o suficiente. Por isso aparece o milho ou a cana de açúcar de “dois crescimentos”. Cresce o broto até se esgotarem as reservas da semente e os nutrientes perto dela. Depois estaciona, tendo de esperar até que a raiz se fortaleça para depois poder continuar a crescer. Mas nesta fase de malnutrição e angústia, a plantinha nova muitas vezes é atacada por insetos como a “broca do colmo”.

Em sementes muito pequenas, sem reservas, como as das orquídeas, necessita-se de uma “ama-de-leite” para nutrir os brotos. Aqui, fungos agem em lugar de raiz nova, “aumentando” o brotinho novo. Quando o broto abre as primeiras folhinhas verdes tem pressa de fotossintetizar carboidratos a partir de água, gás carbônico em presença de luz, que serve de energia para poder mandar açúcares à raiz e alimentá-la. Esta se fortalece e manda ao broto as primeiras substâncias sintetizadas. O crescimento da folha sustenta a raiz e o da raiz a folha. Mas isso ocorre apenas quando há equilíbrio entre todos os fatores inclusive os nutrientes.A raiz cresce continuamente pelas extremidades, entrando em contato com novas porções de terra de onde retira a água e nutrientes. Por isso possui milhares de milhões de pelos absorventes com pontas novas criando novos pontos de contato com o solo. A raiz explora o solo penetrando no maior volume possível, tateando com suas pontas de radículas o solo mineral para se alimentar. Assim, por exemplo, uma planta de centeio possui uma superfície radicular de 639m2 sendo o comprimento do conjunto de todas as raízes e radículas de 63 km.