Quando relembro Pichlhofen, um reflexo desses anos felizes cai no meu momento presente sóbrio. Pichlhofen foi uma propriedade dos Teuffenbach (até 1629), um castelo de dois andares do século XVII com um parque de vários hectares completamente coberto por vegetação abandonada, cercado por um muro de pedra. Não havia como chegar lá com veículo; era preciso subir uma trilha a pé, da estação ferroviária de St.Georgen, e descer à noite com iluminação de tochas (de piche) medievais.
Pichlhofen pertencia a Spielberg e foi habitado todo verão por Anna Streintz nascida Arbesser von Rastburg. Com seu filho Max, que tinha quase a mesma idade que eu, eu tinha uma forte amizade fraternal, com base nos mesmos interesses e enraizada na amizade desde jovens entre as duas primas e mães.
Em Pichlhofen, eu costumava passar semanas no verão, caçávamos e morávamos em cabanas alpinas, cozinhávamos nas cozinhas enfumaçadas, pescávamos trutas em escavações mais afastadas no rio Mur, apanhávamos besouros e borboletas para a coleção de Maxi. À noite, as pessoas liam, ou textos de teatro com papéis distribuídos, ou alguém lia clássicos franceses ou havia o chamado Jeux d`esprit (jogos espirituosos ou mentais), no qual as piadas boas eram frequentemente trazidas à tona, ou havia desenho ou havia adivinhações.
A família Streintz não combinava, pois ela era uma mulher hipernervosa, sempre doentia, que estabeleceu toda a sua vida de acordo com princípios de higiene e não se uniu ao bom professor de física Streinz, com quem se casara apenas por “par depit” (por representação). Ele também não estava muito presente e morreu cedo de septicemia por causa de um ferimento com pena de faisão durante uma caçada.
Max era como eu, o único filho, idolatrado por sua mãe. Por medo de doença, ela não o deixou ir à escola, mas o manteve até o final do ensino médio com um Hofmeister (Professor particular). Frequentemente participei dessas aulas e aprendi muito. A estada de verão em Pichlhofen foi compartilhada comigo pela tia Ida Wolf Hillebrand, viúva do historiador Adam Wolf . Uma mulher bonita, mas mentalmente problemática, cuja filha Dora era dois anos mais nova do que eu e foi admitida como terceira no grupo, embora não a tomássemos muito a sério. Dora tinha uma educadora francesa Artemise Andre, que era então conhecida como Schöngeist (amante do belo, da estética, do artístico, da decência, sonhadora) e ativista dos direitos das mulheres, que com sua irmã gêmea Marie, formava um par de mentes inteligentes e muito conhecedoras e que tiveram um impacto em minha educação. Nanicas e feias de olhos puxados, elas eram chauvinistas ardentes (tinham opinião exacerbada e tendenciosa) e intolerantes, que colidiram com minhas opiniões e deram origem a discussões intermináveis. Meu estilo de carta em francês com dialética efusiva, devo à minha corresponêndia com elas.
Em termos de juventude, ainda devem ser mencionados os primos Arbesser e os amigos de Max, com quem havia grandes lanches alegres no parque, onde havia muitos arbustos de bagas e árvores frutíferas abandonados, e bem no canto as sepulturas francesas. Nas guerras napoleônicas, Pichlhofen havia sido um hospital de campanha e os feridos falecidos foram enterrados no parque. Era para ser um lugar assombrado, pelo que queríamos investigar à meia-noite, alternadamente e com queixo batendo, para testar nossa coragem.
Em Pichlhofen não havia apenas uma cozinha muito antiga com chaleiras de cobre e um fogão aberto, mas também um maravilhoso jardim de flores, em que floresciam flores antiquadas, como lírios, Akelei (Aquileia ou mil-folhas), Gypsophila (véu-de-noiva), lavanda etc. e uma fonte viva, cuja água fria corria dia e noite. No telhado pontudo da casa do poço crescia tantas plantas suculentas (crassulaceas como Echeveria sp.) que parecia estar coberto por feltro. Na gamela do poço também estava o recipiente, no qual estavam as trutas.
No quarto, escassamente mobiliado com móveis barrocos – não havia mobília moderna ou confortável em todo o castelo – havia uma abertura invisível no teto-caixão, para que se pudesse ver e ouvir tudo da sala acima.
Uma pessoa infeliz era o Educador particular, o chamado “Hofmeister”, geralmente teólogos, a quem azedávamos a vida com todo tipo de brincadeira – costurando as mangas, escondendo os sapatos, etc.
Nem cheguei a um segundo verão, logo após o meu casamento, com o qual esse relacionamento ideal terminou, também o Max casou-se com uma mulher de Brüx, o que não agradava muito a sua mãe.
O idílio de verão de Pichlhofen terminou e hoje pertence à filha mais nova de Carl Arbesser, casada Baronesa Conrad (mãe de Ana Maria Primavesi; o proprietario atual, em 2020, é o irmão caçula de Ana Maria).
Trecho das “Memórias” escritas por Irene Mylius, née Forcher v. Ainbach.
No ano 1927.