Técnicas de cultivo na agricultura ecológica

“Os micróbios e a meso fauna tornam o solo vivo como a alma dá vida ao homem.”

A agricultura convencional dispõe de uma tecnologia muito sofisticada. Não porque seria necessária para produzir, mas porque se acomodaram com solos mortos que contribuem em muito para o efeito estufa, tanto pela aração e a consequente decomposição explosiva de toda matéria orgânica (deixada na terra pelas raízes) e a produção de CO2, quanto pela perda de nitrogênio em forma de N2 e N2O (óxido nitroso) que tem efeito estufa 250 vezes maior de que o CO2. Também há a produção de metano (CH4) com efeito estufa 25 vezes maior do que o CO2 (Primavesi, 2003) que se forma da decomposição da palha enterrada pela aração (Primavesi, 1980.) A isso junta-se a emissão de enormes quantidades de CO2 por veículos automotores e fábricas, porque o homem descobriu os estoques de carbono (petróleo) da natureza que as fez, justamente, para evitar contaminação do ar e da estratosfera com CO2.

O efeito estufa está aumentando a temperatura. Um aumento de somente

0,5o C faz os cipós crescerem descontroladamente, asfixiando as árvores das florestas. Com o aumento de 10 C ocorre o descongelamento de geleiras e polos. O nível da água do mar sobe e aumenta sua pressão sobre seu fundo. Isso provocou  no dia 26/12/04 o maremoto ou tsunami que matou mais de 300.000 pessoas. Ao contrário do que se pensou, o aumento da temperatura  não  permite ainda o plantio de culturas tropicais no clima temperado, mas por cada 1,2o Cde aumento de temperatura baixam as colheitas em 10,60 %, uma vez que na natureza TODOS os fatores estão rigorosamente interligados, adaptados uns aos outros. A menor modificação de um fator acarreta a modificação de todo sistema. (McCarty,G, 2005).

Assistimos à poluição de solos, florestas, lagos, rios e mares por agrotóxicos, mas também das águas por esgotos urbanos que por exemplo causaram nos EUA a proibição da venda de moluscos inclusive ostras por causa de doenças viróticas que transmitem (Richards,G & Kingsly,D.2005).      Fora os efeitos diretos dos defensivos agrícolas sobre a saúde humana, como por exemplo, dos clorados, que, após sua proibição por causa de seu efeito sobre os genitais masculinos, somente se usam na produção de clones vegetais e dos fosforados que foram desenvolvidos como neurotóxicos e que permanecem a ser neurotóxicos, mesmo se atualmente somente são usados contra insetos. Os resíduos nas plantas atacam o sistema nervoso dos consumidores, especialmente porque contribuem na dissolução das camadas  protetoras dos neurônios.(Carson,R.1958).

Por outro lado, o consumo de plantas mal nutridas, mesmo se fossem sem resíduos de defensivos, não conseguem manter a saúde humana. Assim, por exemplo, a ARS/USDA do Governo norte americano constatou que um excesso de nitrogênio, que induz a deficiência de cobre, faz com que 20 a 23% das crianças nasçam paraplégicas (Johnson,T.1999). E pelo excesso de fósforo adubado, que induz à deficiência em zinco, muitas crianças se tornam dementes, o que, porém, pode ser curado quando se administra zinco adicional à alimentação. O alimento somente possui valor biológico integral quando as plantas conseguiram formar todas suas substâncias a que são capazes geneticamente, ou seja, todos de peso molecular elevado o que não ocorre quando as plantas estão desequilibradamente nutridas. Somente NPK não é o suficiente porque para formar as substâncias precisam-se enzimas ativadas por minerais (Epstein,1972).

Nos EUA as análises já consideram 37 elementos minerais, embora se acredite que as plantas necessitam, no mínimo, de 45. Uma planta para ser bem nutrida necessita: um solo agregado e poroso, um sistema radicular bem desenvolvido, suficiente água à sua disposição, nutrientes em sua proporção certa (Trofobiose) e uma temperatura do solo abaixo de 32oC (Primavesi,1980), com a proteção do solo por cobertura de matéria orgânica e uma micro vida muito diversificada.

Pela exploração de solos mortos, acaba-se necessitando de alta tecnologia por serem  compactados (e mortos).  Causa-se o desaparecimento da água doce em nosso planeta porque os níveis subterrâneos não tem mais reposição. A água de chuva não se infiltra mais. Os rios secam, os níveis freáticos baixam, os aquíferos se esgotam e se prevê o fim da água doce em nosso planeta. E sem água não existe mais vida. Nem vegetal, nem animal nem humana (Primavesi, 2003).

Por isso os índios bolivianos dizem:

“Somos feitos de Sol (energia luminosa), chuva (água) e terra (minerais). Mas vocês alteraram a luz do sol poluindo a atmosfera com gás carbônico, alteraram as chuvas, desmatando indiscriminadamente, destruíram a terra com suas máquinas, adubos químicos e agrotóxicos, destruíram as plantas, nosso alimento, pela modificação genética. E agora? O que será de nós? “

Portanto, a tecnologia atual, mesmo sendo de precisão técnica de ponta, é absolutamente insustentável .

SOLO SADIO à PLANTAS SADIAS à HOMEM SADIO.

Como melhorar o solo?

Se não queremos somente explorar solos mortos e acabar com a vida em nosso Globo, temos de trabalhar com solos vivos; estes devem ser agregados e protegidos contra o impacto das chuvas e superaquecimento por insolação direta, permitir um enraizamento profundo e profuso das raízes e ser protegidos contra o vento.

Acredita-se que a agricultura orgânica esteja trabalhando corretamente. Mas não está. Ela continua trabalhando com solos mortos, somente trocando insumos químicos por orgânicos. Por exemplo, troca NPK por composto ou os defensivos muito tóxicos por menos tóxicos (que aplicam-se corriqueiramente, inclusive na forma de caldas “orgânicas”). Continuam com o solo desprotegido, acreditam que romper compactações é o mesmo que agregar o solo, usam variedades importadas de outros paises e climas, isto é, outros ecossistemas e são convencidos de que todo nitrogênio vem somente do composto. O único resultado é que produzem menos, porque a tecnologia química-mecânica foi justamente desenvolvida para explorar solos mortos.

Os orgânicos fazem a conta que: com 40 t/ha de composto adiciona-se metade do NPK do que o vizinho convencional com o adubo químico.

Vi num Congresso de agroecologia em que fui convidada, que os trabalhos mostrados resumiam-se a: como matar de maneira ecológica a vida do solo. O “ecológico” estava no não usar tóxicos químicos, mas usar a solarização. Portanto o primeiro ponto é  considerar a vida do solo como inerente ao solo e não como algo opcional. Os micróbios e a meso fauna tornam o solo vivo como a alma dá vida ao homem.

            É função da vida:

  • agregar o solo, tornando-o  permeável para o ar e a água.
  • eliminar todas as plantas que são fracas ou doentes para que a vida não degenere, mas para que não consigam atacar plantas sadias, “as pragas” são programadas através de enzimas para determinadas substâncias, sempre de peso molecular baixo e nunca de peso molecular elevado como proteínas.

Descobrem-se cada vez mais micróbios que são tanto maléficos como benéficos, dependendo das condições em que se encontram. Por exemplo o fungo Aspergillus niger mata a semente fraca e não a deixa germinar, por isso todas sementes são tratados com mercuriados. Mas quando a semente é sadia e forte, esse fungo ajuda-a a nascer mais rápido. As lacto bactérias fazem parte da flora intestinal comum, mas podem se tornar também patógenos assim como as Coli bactérias, que fazem parte da flora intestinal normal, podem causar também doenças mortais. O fungo Rizoctonia, um temido parasita  radicular, pode também entrar no floema das planta e aumentar sua  resistência à seca. Os rizóbios, com que se inoculam as leguminosas, são tomados por benéficos, mas em monoculturas com solos muito compactados podem  virar “deletérios” e matar a soja, como aconteceu no sul de Córdoba na Argentina.

A agregação do solo é básica para sua saúde. Somente assim é possível a penetração de ar e água, garantindo o caudal dos rios. As bactérias agregadoras  são aeróbias uma vez que não faz sentido formar agregados estáveis ao impacto da chuva nas camadas mais profundas do solo. Por isso a matéria orgânica tem de ficar na camada superficial do solo, ou seja, nos horizontes Ao e A1.

O pH ótimo do solo tropical não é 7,0 como no clima temperado mas 5,6, para que todas as enzimas bacterianas e fúngicas tenham sua maior atividade.

O alumínio, manganês ou ferro tóxico aparecem somente em solos compactados, onde perdem oxigênio. Nestes solos há “redução” de todos os elementos minerais como também de enxofre (SO3 à SH2 ou CO2 à  CH4 etc.). Döbereiner (1958) constatou que o Manganês (Mn) tóxico se elimina muito mais fácil aplicando matéria orgânica (alimento para as bactérias que agregam e arejam o solo) de que neutralizando-o com calcário.

Os três fatores que mais contribuem para a compactação dos solos são a aração, (Papendick, 1996), a calagem e a adubação nitrogenada porque contribuem  com a perda  rápida  da matéria orgânica. Pela calagem corretiva os solos não somente perdem o resto de sua matéria orgânica, compactando-se, mas a substituição do alumínio trivalente (um poderoso agregador químico do solo) por cálcio, (bivalente, incapaz de agregar solos tropicais) leva a uma espécie de petrificação difícil de remover. ( Primavesi, 2003).

A compactação do solo é o início do fim

A matéria orgânica não é adubo químico em forma orgânica mas é alimento da vida do solo que mobiliza os nutrientes. Portanto sua aplicação não é opcional mas indispensável. A mobilização de nutrientes pelos micróbios é muito maior do que a quantidade liberada na decomposição de matéria orgânica.(Tsai, 1992, Hungria, 1992). Segundo Dhar (1972), a quantidade de nitrogênio acrescentada pela matéria orgânica é muito menor do que esta fixada por bactérias que nela se instalam (pode ser até palha). Como a vida microbiana tropical é 10 a 15 vezes maior de que em clima temperado, a decomposição da matéria orgânica também é muito mais rápida ( de 6 a 8 semanas) e todas as técnicas que aumentam sua decomposição devem ser evitadas. Por isso o Plantio Direto propaga-se tão rapidamente. E mesmo se há somente uma fina camada de palha, a erosão é muito menor por impedir o impacto da chuva sobre a superfície do solo. 

A Biodiversidade

O solo tropical não somente necessita ser vivo com muita matéria orgânica mas necessita igualmente de uma grande Biodiversidade. Ela é o segredo do desenvolvimento exuberante da Mata Amazônica em solos extremamente pobres.A diversidade da vida no solo depende da diversidade vegetal acima do solo. Isto porque bactérias possuem somente uma enzima, fungos até quatro, insetos normalmente duas. E uma enzima consegue digerir somente uma única formula química. Meio oxigênio a mais e a enzima já não a consegue digerir ( p.ex. catechol + ½ O = O-quinona).

 Sem a enorme diversidade de vegetação acima do solo, haveria muitos micróbios mas de poucas espécies. E se não houvesse a enorme diversidade de micróbios dentro do solo, muitas substâncias vegetais não seriam decompostas. Somente a grande diversidade de micróbios dentro do solo garante a ótima nutrição das árvores e garante igualmente a permeabilidade do solo. Na mata virgem não existia enchente. Estas vieram somente com o desmatamento.

O solo vivo é a base da agroecologia. Ecológico não são fatores isolados mas o sistema natural que existe em um determinado lugar. E cada sistema trabalha em forma de uma teia alimentar. Isso significa que todos fatores são completamente adaptados uns aos outros e a menor modificação de um fator exige a modificação de todos os outros.

Consideramos como bases do sistema natural:

  1. um solo vivo, com suficiente matéria orgânica na camada superficial para permitir a infiltração da água e a permeação de ar.
  2. um sistema radicular grande, aumentado-o para os lados e para baixo como mostra o sistema SRI (Système du Riz Intensivé) onde eles conseguem  – em solos vivos – maior produção, por exemplo, de arroz sem adubo e sem defensivo e com metade da água normalmente usada. Em solos mortos a colheita é abaixo da convencional. (Uphoff, 2003, 2005)
  3. proteção contra o impacto da chuva e insolação como está sendo feito no Plantio Direto (Zero Tillage – Mulch Farming).
  4. ausência de vento com quebra ventos ou até 50 % de área florestada;      Como o vento pode levar até 750 mm/chuva/ano e como ele baixa a produção à metade até um terço como constata Grace (1977) em seu livro sobre o vento mesmo com metade da área florestada, podemos produzir o mesmo ou até mais de que com toda área desflorestada. A floresta garante também a umidade do solo com influencia favorável sobre o clima (Jackson, 2004).

 TECNOLOGIA  AGRÍCOLA

 Aconselhada:

  • Nunca plantar mais profundo do que a cultura exige. Por ex: batatinhas, cana-de-açúcar em 10 cm  e depois amontoar milho.  Feijão em 5 cm, trigo, aveia em 3 cm, arroz em 2 cm. Extraindo uma planta do solo descobre-se a profundidade exata, conforme o ponto onde inicia a formação de suas raízes.
  • Incluir na rotação cultivos que consigam romper lajes duras (hard pan) como crotalária, guandu, mostarda; etc. Usar rotação de no mínimo 5 culturas.
  • Conservar o solo sempre coberto por uma cobertura viva como policultura, plantio adensado, manejo do mato ou morta = mulch.
  • Nunca colocar todo composto no fundo da cova mas misturar 1/3 com a terra enchendo a cova e 2/3 colocar na camada superficial. Nunca enterrar o composto com o arado ou enxada rotativa mais fundo do que 12 a 15 cm. Mais fundo sempre terá decomposição anaeróbia produzindo metano e gás sulfídrico, tóxicos para as raízes que, por isso, permanecem  superficiais. Nos trópicos não se necessita de composto, podendo usar somente palha – às vezes enriquecida com fósforo e cálcio (escória de Thomas e semelhantes).
  • Em hortaliças sempre colocar as bandejas em armações próprias e nunca em tábuas ou no chão. Pode colocar 2 bandejas uma em cima da outra, ambas com terra) e cortar depois as raízes acima da bandeja inferior. Para plantar deve-se fazer um furo com um pau pontudo, para que a raiz sempre esteja reta para baixo e nunca virada para o lado ou para cima, porque ela não desvira mais. Se faltar boro nenhuma raiz se desenvolve bem. Em campos agrícolas colocam-se entre 3 (arenoso) a 7 kg (solos de argila pesada) de ácido bórico/ha em hortas; 6 a 12 kg/ha até 30 kg/ha em pomares, porém somente depois de experimentar qual a quantidade melhor.
  • Controlar o vento por “quebra ventos” que podem ser plantas maiores, até milho, arbustos ou árvores. Ou plantando pequenos bosques. Quanto menos vento tanto menos se precisa de irrigação e tanto melhor a produção.
  • A irrigação tem de ser bem controlada. Pouca água (10 mm/dia) onde sempre 40 até 60 % se evapora, segundo a hora do dia e o modo de aplicação “vicia” as raízes em irrigar. Isso porque o solo mais baixo permanece seco e as raízes se acomodam na camada úmida superficial. As plantas se tornam mal nutridas e na agricultura orgânica produzem muito pouco.   

Se as plantas exigem irrigação ininterrupta, que até encharca o solo, alguma coisa está errada com a raiz, isto é: o solo pode ser muito compactado impedindo o desenvolvimento da raiz, falta cálcio (raízes grossas até bulbosas com pouquíssimos pelos de absorção) ou existe matéria orgânica enterrada com decomposição anaeróbia (raiz cheira a pântano ou a ovo podre) ou falta boro  – as raízes aumentam muito em tamanho quando se deixa secar o solo superficial e a raiz segue a água que recua no solo.

  • Manter capoeiras ou mata ciliar, que transpiram tanta água quanto a floresta Amazônica, refrescando o ar. Não importa a altura das árvores mas o tamanho de suas copas.
  • Incentivar o aparecimento de micorrizas que podem triplicar o “acesso” das raízes aos nutrientes. Fora de Liláceas (cebola, alho) e Brassicaceas repolho, brócolos, couve-flor), todas as plantas podem ter micorrizas. Para incentivá-las, é preciso fornecer às culturas os micronutrientes mais essenciais. Por exemplo: Zn + Cu em milho, Cu em arroz, Mn em aveia, B em laranjeiras, Mo em tomateiros e algodão,  etc. Neste caso se assentam sem serem inoculadas.
  • Restringir a passagem de máquinas sobre o campo e especialmente evitar máquinas super-pesadas, como atualmente usadas no Plantio Direto e na agroindústria.

A Agricultura Orgânica sempre produzirá pouco e mal se continua trabalhando com solos mortos, uma vez que estes necessitam de uma tecnologia química-mecânica muito sofisticada na qual “exploram”, e não “produzem”.

Trabalhando com solos vivos e cuidando das raízes, a produção agroecológica é muito maior de que a convencional. As culturas terão melhor saúde e raramente aparecem doenças por serem as plantas bem nutridas. Alimentos sadios garantem a saúde animal e humana. Ao mesmo tempo, solos vivos garantem a água doce (potável) em nosso Planeta.

Na Agroecologia, o ser humano não quer dominar a natureza mas está utilizando seus sistemas a seu favor. A aceitação e submissão do homem às leis de Deus estabelecidas na natureza é básica para uma produção boa. Não é simplesmente a caça por dinheiro mas a procura pelo bem estar geral e isso não somente para uma pequena camada privilegiada, mas para todos. Necessariamente cada melhoramento social tem sua base no melhoramento do solo, uma vez que solos destruídos e mortos causam pobreza e pobreza destrói mais ainda os solos, caminhando para a extermínio da vida em nosso Planeta. Não são as fábricas que garantem o bem estar do povo, nem sua sobrevivência.  São estes que vivem no campo, com agricultura familiar bem estabelecida, obedecendo às leis de Deus, que garantem o bem estar geral e a sobrevivência da humanidade.

Portanto, a tecnologia agrícola adequada é esta, que garante a sobrevivência em nosso Planeta, trabalhando com  solos vivos e gerando uma  prosperidade geral.