Priorizando a planta

Na agricultura, o que importa não é a opinião de algum especialista mas sim a da própria planta

Nossa produção agrícola é muito cara e relativamente baixa por unidade de área. Seu aumento ocorre especialmente pelo aumento de área plantada e toda tecnologia moderna praticamente não conseguiu aumentar as colheitas. Os “riscos climáticos” fazem as culturas fracassarem em solos pobres e ácidos demais, em um clima quente demais. Certo, parece somente a tecnologia importada!

Mas, pergunta-se: como é que a exuberância da vegetação tropical chega a impressionar a todos que visitam países tropicais? E a vegetação nativa desenvolve-se luxuriosamente em solos pobres e ácidos, com clima quente.

A tecnologia importada, desenvolvida para fazer solos frios produzirem em clima temperado, não consegue fazer solos quentes produzirem bem.

E quando, daqui a 20 anos, a população tiver dobrado, o petróleo estiver no fim e com isso os adubos nitrogenados; os fosfatos estiverem minguando perigosamente, como é que então produziremos o álcool combustível de cana-de-açúcar e os alimentos?

Teremos de procurar caminhos mais adequados para nosso clima e nossos solos, não tentando alterar a natureza mas manejá-la. E com isso surge a agricultura ecológica, que não é uma alternativa mas um imperativo, uma necessidade. Ela não substitui os insumos químicos por biológicos. Isto seria uma alternativa no combate de sintomas indesejáveis, contribuindo para a menor poluição e corrupção do meio ambiente. Mas a agricultura ecológica não combate sintomas, ela elimina as causas.

Nossa tecnologia foi desenvolvida para combater os inúmeros sintomas patológicos  como pragas e pestes, ervas invasoras, crostas superficiais e adensamentos subsuperficiais, erosão, enchentes, secas, a acidez do solo, a pobreza do solo, o alumínio e o manganês tóxico, etc. É um verdadeiro “Deus nos acuda” e os riscos da agricultura sobem junto com os custos. Sintomas nunca se removem enquanto perduram as causas. Eles aparecem novamente, com maior persistência, sempre, o que provam os 35.000 defensivos no mercado que, geralmente, se misturam para aumentar sua toxicidade. E o que provam igualmente as máquinas sempre mais pesadas e os implementos sofisticados para o destorroamento do solo.

Quando o homem pôs a mão na terra, com seu “know how” de zonas temperadas, a exuberância tropical desapareceu. Solos e clima não se tornaram mais desfavoráveis, mas a tecnologia é desfavorável.

Revolvem-se os solos profundamente para mobilizá-lo embora já possuam uma vida excessiva, para enxugá-lo e aquecê-lo como se faz nos países temperados após o degelo. Vira-se o adubo à superfície embora se saiba que este não é produtivo, e espera-se por um milagre! Mantém-se o solo rigorosamente limpo para melhor captar todo calor do sol, que nos trópicos é tão efetivo que se conseguem solos com temperatura de até 72 graus. Mas planta alguma consegue absorver de solos mais quentes que 32 graus. Expõe-se os solos à inclemência das chuvas tropicais, para “captar melhor a umidade”, tendo como resultado uma erosão espetacular e enchentes impressionantes, seguidos de seca.

Combatem-se as lajes subsuperficiais pela potência das máquinas revolvedoras, o que não impede que voltem a estabelecer-se novamente, muitas vezes dentro de 3 a 5 semanas. Combate-se a falta de nutrientes e de água, criado pelo espaço radicular drasticamente reduzido pelas lajes, com adubações maciças e por irrigação. Porém, cuida-se geralmente dos macronutrientes e raramente dos micronutrientes, cuja falta logo reduz as colheitas.

Hoje, no mundo inteiro, com quase 200 milhões de hectares irrigados, repõem-se 6% da água pluvial escorrida dos solos adensados. Não seria muito mais lógico aumentar a permeabilidade dos solos em lugar de deixar a água escorrer primeiro, para depois, com custo elevado, instalar um sistema de irrigação? Há desertos em regiões com 2.800 mm de chuva, e outras com 300 mm ainda sustentam uma agricultura florescente.

Nas regiões temperadas, os riscos climáticos eram elevados enquanto usavam as técnicas agrícolas de clima subtropical, onde era o berço da agricultura. Não conseguiram sair do trinômio: fome-peste-guerra. Somente quando desenvolveram a tecnologia atual conseguiram uma super produção impressionante de alimentos, tornando-se exportadores. Cederam generosamente seu know-how aos países tropicais que não conseguiram aumentar sua produção, apesar das condições climáticas mais favoráveis.

O problema todo resume-se na decadência das propriedades biofísicas do solo, ou seja, de sua “fertilidade física”. Biofísicas se chamam as condições do solo que resultam na interação de sua textura, sua riqueza química e de sua micro e meso vida em presença de matéria orgânica.

Os fatores do solo não são peças sobressalentes, estocadas num depósito, mas são partes integrantes de um mecanismo muito afinado. Clima, argilas, água, íons nutritivos, a matéria orgânica, a micro vida e a fauna do solo formam um conjunto harmonioso e equilibrado, havendo influência de um fator sobre o outro e dependendo um do outro. E como em qualquer equilíbrio dinâmico, a modificação de um fator acarreta a modificação de todos, para que a natureza estabeleça outro equilíbrio, conseguindo manter seu esquema vital. O último equilíbrio é o deserto!

Na agricultura, o que importa não é a opinião de algum especialista mas sim a da própria planta.

A produção vegetal depende  da fotossíntese e formação de açúcares primários num lado e da respiração por outro. Quanto mais energia for liberada na decomposição de glicose, tanto mais substâncias sobrará para a formação de substâncias vegetais. Da energia liberada depende a velocidade do metabolismo, se os minerais nutritivos e as enzimas necessárias estiverem presentes. Em clima tropical a respiração vegetal geralmente é elevada, uma vez que sobe com a temperatura, tendo seu ótimo a 25 graus C. Quanto maior o calor do clima e do solo, tanto maior a respiração e tanto menor a quantidade de substância que resta para a formação de carboidratos mais complexos, proteínas, óleos, etc.

A capa vegetal influi sobre o clima, que cobre numa camada tênue a superfície do nosso globo. Sobre as matas equatoriais a nebulosidade é elevada, protegendo assim a vegetação de uma insolação intensa. Onde terras pobres dão origem a uma vegetação mesquinha, as chuvas são mais escassas, mas também mais violentas.

Muito depende de uma respiração eficiente do vegetal. E, conforme a quantidade de oxigênio à disposição no solo, pode liberar por mol de glicose 372 ou 21 Kcalorias, de modo que em solo adensado é gasta muita glicose para liberar pouca energia e a produção vegetal será baixa. A respiração aumenta com temperaturas elevadas, raízes parasitadas ou a falta de água, prejudicando a produção. Florestas, como termostratos, a proteção do solo contra a insolação e a permeabilidade do solo que garante a penetração da água e das raízes são medidas que em clima tropical aumentam a produção.

Mas não se forma substância vegetal sem a absorção rápida de água e nutrientes. A adubação por si não garante a boa nutrição da planta. A raiz não consome adubo granulado mas somente dissolvido em água e de concentrações não muito elevadas. Se houver pouca água disponível por causa da proximidade à superfície ensolarada ou por causa de adensamentos, que não permitam a circulação de água, esta faltará à planta. E, se houver pouca água à disposição, a concentração dos adubos será elevada, opondo-se à absorção por raízes com um potencial fraco. E como este potencial radicular depende da eficiência da fotossíntese que, durante o calor do dia, é reduzida – devido às plantas cerrarem os estômatos para impedir a saída de água, impedindo ao mesmo tempo a entrada de CO2, o controle da respiração e a manutenção de concentrações baixas de nutrientes na água do solo, são importantes. Esta é a razão do por que os solos tropicais são grumosos com perfil profundo, permitindo um desenvolvimento radicular muito grande. Assim, a raiz tem a possibilidade de escapar ao calor e à seca do solo superficial e consegue absorver água e nutrientes, mesmo com potencial radicular reduzido. A “pobreza” do solo é compensada pela profundidade do perfil. E enquanto em solo decaído a raiz é limitada a, por exemplo, 1 litro de terra, sofrendo de falta de nutrientes e de água, em solo bem estruturado e grumoso explora 30 e mais litros de solo, que não fornecem somente 30 vezes mais nutrientes, mas igualmente 30 vezes mais água. A adubação pode fornecer nutrientes e a água pode vir de irrigação. Mas o oxigênio nenhuma das duas práticas consegue fornecer, e a produção permanece baixa.

O manejo do solo tropical necessita antes de tudo de termostratos, que são s florestas, como a proteção do solo contra a insolação direta, impedindo seu superaquecimento. 25 graus C são a temperatura ótima. Necessita-se igualmente da proteção contra os impactos das gotas de chuva que destroem os grumos superficiais, vedando os solos contra a penetração de água e ar causando as lajes subsuperficiais. A consequência: erosão, enchente e seca.

Porém, a bioestrutura é passageira e necessita de sua renovação permanente. O retorno periódico de matéria orgânica à superfície do solo é importante. Enterrada não tem efeito benéfico sobre a grumosidade do solo. Sua decomposição tem de ser aeróbia a semi-aeróbia, e deve ser feita por bactérias capazes de produzir substâncias coloidais. Como o início da decomposição pode ser feita tanto por fungos, que ocorre em meio pobre em cálcio, ou pela mesofauna, uma adubação com um fosfato cálcico, como o hiperfosfato, escória de Tomas ou farinha de ossos para a população decompositora é necessária. Pela decomposição dirigida dos restos de cultura, não somente restabelece-se a bioestrutura do solo com seu sistema poroso, indispensável para a infiltração rápida de água e a circulação do ar, mas pode se fixar igualmente nitrogênio, suficiente para uma produção de até 9,5 t/ha de milho.

A matéria orgânica possibilita uma vida diversificada do solo, que não permanece limitada na rizosfera. Desenvolvem-se muitas espécies, cada uma com poucos exemplares, controlando-se mutuamente. Desse modo, o aparecimento de pragas e pestes é difícil. Quanto menor o teor de matéria orgânica no solo, tanto mais limitada será a microvida da mesofauna  da zona radicular, sendo uniformizada pela oferta de nutrientes, que são excreções radiculares. Portanto, existirão poucas espécies cada uma com muitos indivíduos. O perigo de parasitas é grande!

E pouco adianta crias “inimigos naturais” para pragas e pestes que a própria natureza poderia produzir se existissem as condições. É bem mais eficiente impedir a multiplicação descontrolada de uma espécie do que combatê-la. E este controle é feito pela vida diversificada do solo. Em caso de pestes microrgânicas, a eliminação da eficiência de suas enzimas é um método rápido e eficaz, e se faz pelo aumento do complexo coloidal e da modificação do pH.

Monoculturas sempre encerram o perigo de parasitismo por “criar” uma flora e fauna unilateral graças a suas excreções radiculares. Quanto maior o teor em argilas de um solo e quando existir o suficiente em matéria orgânica, o perigo é bem menor. Deve ser considerado o número excessivo de micróbios existentes em terra tropical, que, em 5 ml de terra pode der de 200 milhões, enquanto que em clima temperado é de 0,5 a 1 milhão.

A monocultura pode ser quebrada pela rotação dirigida das culturas, alternando culturas exigentes, com culturas modestas e culturas recuperadoras de solos. Podem ser usadas, também, culturas consorciadas, que podem ser ambas comerciais ou podendo ser simplesmente uma cultura protetora, ou seja, uma “invasora escolhida”, plantada nas entrelinhas da cultura principal. Mas nesse último caso, exige-se de vez em quando um ano de pousio, com a vegetação nativa variada.

Na preparação do solo, vale a regra de passar com as máquinas o mínimo possível sobre o campo e não trabalhar o solo quando é muito úmido, devido ao estrago pelas máquinas ser maior.

O revolvimento da terra com sua “mobilização e enxugamento” tem de ceder a uma mobilização mínima ou ao plantio direto. O plantio direto pretende conservar a bio estrutura do solo. Se a terra for adensada e não tem mais nada a conservar, a recuperação por métodos diferentes é indicada. Porém, o plantio direto não é simplesmente a omissão da aração. É um pacote de técnicas, e se uma for esquecida, não surte efeito. Quando o solo rachar ou secar e as raízes forem finas e retorcidas, não existe mais nada a conservar, sendo o solo impróprio para o plantio direto. Também quando um torrão de terra quebrar com faces retas e lisas, o solo é adensado demais para ser plantado diretamente. Quando a camada grumosa for menor que 12 cm indica-se igualmente uma subsolação, até uns 25 cm de profundidade, para evitar que as chuvas carreguem a camada grumosa. A proteção da superfície do solo sempre será necessária, usando-se uma cobertura morta na estação da seca e uma cobertura viva, vegetal, na estação das águas.

A agricultura ecológica devolve ao solo sua produtividade exuberante e produz com os mesmos adubos, que atualmente proporcionam por exemplo uma colheita de 3 t/ha de milho ou de 2,4 t/ha de arroz irrigado, 9 t/ha de milho ou 11,2 t/ha de arroz irrigado.

Ela faz os adubos renderem muito mais, aumenta a sanidade das culturas, aumenta a qualidade das colheitas e o valor nutritivo dos produtos.

Ao mesmo tempo, reduz drasticamente a erosão e aumenta a resistência das culturas à seca.

Com quebra-ventos, consegue-se economizar tanta água que esta dificilmente chega a faltar.

É a tecnologia tropical para solos tropicais.