Violência urbana também depende da decadência do solo?

Recebi um e-mail do Ceilão (atual Sri Lanka), essa ilha ao pé da índia, perguntando: “Violência urbana tem a ver com a decadência do solo?”, e a pessoa pedia: “responda somente com sim ou não”. Considerei a pergunta estranha.

Se alguns playboys incendeiam um índio pataxó no centro de Brasília (Nota: o índio Galdino Jesus dos Santos foi morto em 1997), o que isto tem a ver com os solos compactados no estado de Goiás? Se uns louquinhos fazem racha noturno nas ruas de São Paulo, matando seis pessoas que esperavam na fila do ônibus, o que tem isso a ver com a erosão dos solos paulistas? Se os meninos da favela da Rocinha fazem um arrastão na praia de Copacabana, roubando tudo que podem dos banhistas, o que tem isso a ver com os hard-pans nos solos da baixada fluminense? Ou se traficantes de drogas matam concorrentes, ou se funcionários corruptos de alguma repartição pública mandam assassinar alguém como “queima de arquivo”, o que tem isso a ver com as crostas e fendas nos solos de Minas Gerais?

Parece que os asiáticos, na sua mania de meditar, às vezes, chegam a impasses colossais. Mas seria somente isso? Os indianos não dizem: solo doente-planta doente-homem doente? Um solo compactado, encrostado e em desequilíbrio químico comprovadamente não produz plantas sadias. Em um terreno recém-roçado, limpo de capoeira, as plantas crescem exuberantes. Tão exuberantes que, por exemplo, o algodão atinge 2 metros de altura, mas não floresce. Também o arroz, quando é exuberante, não produz grãos. Por isso, sempre se planta o milho como primeira cultura, já que ele suporta os solos ricos demais especialmente em nitrogênio, e isso ficou tão comum que o milho recebeu o nome de “roça”, quer dizer, o que se planta depois de roçar.

Cana-de-açúcar plantada em terreno recém-roçado produz facilmente 120t/ha. E nenhuma cultura num solo recém-roçado e fértil é atacada por uma praga ou doença. Por isso os índios caiapós ou os ribeirinhos plantam somente um ano, depois abandonam o terreno para que seja recuperado. Assim, colhem bem sem qualquer problema fitossanitário.

O solo é recuperado pela vegetação nativa, a capoeira, é sadio e cheio de vida. Mas, com os anos, a material orgânica se gasta, os agregados decaem, os poros (especialmente os macro poros ou poros de aeração) desaparecem, e os nutrientes se esgotam, especialmente os menores (micronutrientes), a adubação mineral com apenas três elementos (NPK) desequilibra os outros, que a planta também retira do solo, esgotando-os. As plantas são mal nutridas e ficam doentes porque não conseguem produzir as substâncias que deveriam produzir de acordo com seu programa genético. Muitas substâncias ficam no meio do caminho, inacabadas.

E quando se plantam monoculturas, para facilitar a mecanização, muitos micróbios morrem e somente alguns poucos, que a monocultura pode nutrir, sobrevivem. Instala-se uma vida estranha e unilateral. E as plantas doentes são atacadas por pragas e doenças. Dizem que falta o “inimigo natural” mas o que falta é a biodiversidade. O solo está doente agora e as plantas também estão.

As plantas doentes, tanto faz se com parasitas por combater ou com parasitas já combatidos, produzem colheitas de valor biológico muito baixo. Faltam a elas muitas substâncias que deveriam ter, como proteinnas, vitaminas, hormônios, enzimas, ácidos graxos de alto peso molecular, açúcares múltiplos, como sacarose em lugar de glucose, substâncias aromáticas, flavonas e outras. Os produtos não têm odor e sabor, são insípidos e, além do mais, pouco nutritivos. Mas os seres humanos não têm mais escolha e precisam comer o que lhes oferece porque o que interessa não é a produção de alimentos sadios mas de lucros, especialmente para a indústria, tanto de insumos, sobretudo de agroquímicos, como a de beneficiamento e transformação. O homem é, em parte, superalimentado, mas, mesmo assim, mal nutrido e muitas pessoas estão simplesmente famintas. As doenças, tanto as infecciosas, inclusive as viróticas, como as degenerativas, aumentam ano a ano, e a falta de leitos hospitalares é crônica. Mas também as doenças dão lucro para a indústria.

Solo doente-planta doente-(animal doente)- homem doente. E num corpo doente não pode morar uma alma sadia. E essa alma doente, para criar bons consumidores, ainda é submetida a uma lavagem cerebral e spiritual incessante. E as almas, já doentes pela alimentação pouco nutritive, agora também estão completamente vazias. Isso resulta em sexo e violência de todo tipo.

Respondi ao e-mail com um SIM.

(Nota:  Em 2012, Ana Primavesi foi à Sertãozinho conhecer a plantação de cana da Native. Nessa visita, foi-lhe mostrada a monocultura orgânica praticada e como a biota do solo reconhece conforto ambiental. Se esta condição estiver presente, a biota vai se adaptar a conviver com um tipo ou mais de plantas presentes no ambiente. Assim, supreendentemente, os resultados das análises estatísticas que a Embrapa realizou lá concluiu que a fauna de vertebrados superiores preferem a monocultura, sob este manejo, do que quando fica-se mudando a paisagem.

É uma quebra de paradigmas. O sistema de manejo denominado “Agricultura Revitalizadora de Ecossistemas” é praticado aqui no Brasil, por um brasileiro, há mais de 30 anos. Leontino Balbo trabalhou duro e conseguiu. O solo é vivo e a cana atrai mais biodiversidade que as matas preservadas.

É preciso ampliar o debate e principalmente a prática.

Quem quiser saber mais sobre o trabalho de Leontino Balbo, pode acessar: http://revistagloborural.globo.com/Raca-Forte/noticia/2016/07/revitalizador-de-ecossistemas.html