Profundamente tristes, comunicamos o falecimento de seu Shiro Miyasaka, grande amigo de Ana Maria Primavesi, referência na agricultura agroecológica.
Shiro Miyasaka foi o primeiro nikkei (japonês) a se doutorar em agronomia no Brasil. Chegou aqui aos oito anos de idade, vindo de Hokkaido, norte do Japão. Depois, como assessor na área de financiamento de pesquisas do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), entre 1979 e 1984, viajou por todo o Brasil e em 1981 publicou o livro A Soja no Brasil, cultura que ajudou a introduzir e aclimatar, e que o decepcionou profundamente, não pelo grão em si, mas pelo que ela passou a agregar em seu plantio, como maquinário pesado e adubação química. Mais tarde ainda observaria a soja passar pelo processo de transgenia.
Dr. Shiro trabalhava no IAC (Instituto Agronômico de Campinas) quando foi assistir a um congresso em que estava o casal Primavesi. Artur falava sobre a importância dos micronutrientes. Aquilo o interessou e, extraoficialmente, passou a acompanhar o trabalho de Ana Primavesi (Artur faleceu em 1977). “Comecei a atuar conforme a minha consciência e a participar de todo o movimento dela. E vi que, ao contrário do que diziam, a agricultura orgânica não era empírica, sem base científica. Eu comecei a enxergar através do livro dela, que tinha embasamento científico.” Então começou a estudar e a buscar o trabalho não só de Ana Primavesi, mas também dos agrônomos que praticavam agricultura orgânica. Leu “A Biocenose do Solo” (livro de Primavesi) e depois, Chaboussou veio confirmar as teorias da professora. “Ele diz que praga em planta sã morre de fome. E que o inseto, na origem, era saprófago, comia só coisas mortas, depois se adaptou para seres doentes também. Chaboussou é da década de 1970 e a professora é anterior. Assim, os dois estavam questionando aquele método, que era muito agressivo.” (Ana Primavesi consta na bibliografia de Francis Chaboussou).
Em 2008, escreveu Manejo da Biomassa e do Solo. Convidado a visitar Primavesi, Dr. Shiro entregou-lhe humildemente seu livro: “Eu vim aqui mais para receber a bênção da Dra. Primavesi.” Com o livro nas mãos, trazia também o xerox de uma página da bibliografia de Manejo Ecológico do Solo. “Porque a senhora me citou, fiquei mais conhecido. E agradecido.”
De compleição frágil mas ideias firmes, o que mais impressionava em seu Shiro era a simplicidade e a humildade com que explicava suas ideias, características marcantes da Primavesi também e que, não à toa, os tornaram amigos tão próximos.
No dia daquele primeiro encontro, contaram sobre uma série de palestras e debates organizados por estudantes de Minas Gerais em 1982. De um lado, dois professores eminentes da ESALQ, críticos em relação a ela. De outro, Ana e o Shiro. A intenção dos estudantes era confrontar os defensores da agricultura química, mas isso não tinha sido explicitado aos palestrantes. “Estranhei não somente o número de estudantes que tinham aparecido e que mal cabiam na sala, mas também por haver estudantes não só daqui do Brasil, mas também de países vizinhos, que, evidentemente, foram convidados. Para quê? Por quem? O que os organizadores esperavam?” – contou Ana.
O primeiro a falar foi um dos professores da ESALQ. Mostrou fotos de cafeeiros adubados exclusivamente com NPK (Nitrogênio, Fósforo e Potássio) solúvel. Eram razoavelmente boas. Depois Shiro mostrou também fotos de cafeeiros super carregados, luxuriantes. Ele disse: “Somente com adubo orgânico”. Passou um tempinho e cada vez que a turma da química mostrava algo, eles mostravam o orgânico, que era melhor. Finalmente, um dos professores, impaciente, dirigiu-se ao Shiro e perguntou: Digam-me, o que fazem num solo onde existem, por hectare, oito toneladas de nematoides? Ana relembrou. “Aí, o Shiro mostrou a sua cara mais radiante, e disse entusiasmado, juntando as mãos: Que beleza! Quanta matéria orgânica! O auditório explodiu em risos. O professor não aguentou e saiu do auditório, sob o riso generalizado da plateia.”
E aquele casal de velhinhos, ambos nonagenários, puderam rir juntos de suas experiências, relembrar momentos tão intensos, sem se darem conta de que se inscreviam na história da agricultura mundial, defendendo o que sabemos ser a única forma de se poder continuar a produzir alimentos para todos. Ele dizia: “A mesma convicção que eu tinha no sucesso da soja, lá atrás, eu tenho hoje em relação à agricultura natural.”
Despedimo-nos agora de seu Shiro, nosso querido e amado amigo, já saudosos de sua sábia humildade, de sua humilde sabedoria, que tanto nos alavancou sobre o conhecimento agronômico.