Estrutura do solo – grumos e torrões. A agregação do solo.

A estrutura é a maneira que os elementos constituintes do solo tendem a unir-se a eles.

Existem 4 tipos de estrutura  do solo:

  1. Grumos: ao pressionar um torrão, ele esmigalha-se em grumos que têm uma forma arredondada e um diâmetro de 0,5 a 4,0 mm. (Foto 13)
  2. Pequenos torrões: têm seus cantos ainda arredondados e um diâmetro de 0,5 a 6,0cm. Ao rompê-los, suas faces de ruptura são irregulares. (Foto 14)
  3. Poliedros pequenos: sua forma é angular. São os grumos em solos argilosos e sinal de boa estrutura. Seu diâmetro varia de alguns milímetros a 2,0 cm. (Foto 15)
  4. Torrões: com tamanho de alguns centímetros até alguns decímetros. Suas faces de ruptura são retas (lisas). Elas indicam uma estrutura decaída. ((Foto 16)

A agregação é um processo químico-biológico. Não mecânico!

Para ilustrar a importância de um solo agregado, Ana Primavesi escreveu a seguinte história, contida no livro: A Convenção dos Ventos – Agroecologia em contos.

A TERRA E O ARADO

    Um veado espiou cautelosamente o campo antes de sair da capoeira a procura de algumas ervas gostosas para seu jantar. Os últimos raios de sol banhavam a paisagem numa luz dourada na qual o crepúsculo jogava suas primeiras sombras. A terra jazia cansada e sonolenta debaixo da cobertura de reserva de milho, que fica colhido há semanas, acariciada pelas raízes amorosas de mentrasto, arnico e rabo-de-rojão. Sentia que estava doente e bastante estragada, e as plantas vieram para acudi-la.

    Tinha que rir da historia do caruru, que com seu pendão comprido, vermelho de milhares de minúsculas florzinhas, se considerava o rei da vegetação. Contou pela centésima vez, a historia do caruru-gigante, o Amarantus, com cachos maiores que o sorgo granífero mas muito mais nutritivo, e que seriam a salvação da humanidade faminta em terra cansada.

    As bactérias coçavam agradavelmente a pele ao maquiá-la com suas geléias, para que ficasse novamente boa e porosa. A palha de milho cobria ainda em camada grossa o chão e protegia a terra contra o calor do sol e a força impetuosa das chuvas e garantia a unidade suficiente para toda essa vida ativa que rodopiava e formigava nos mini-tuneis dos poros. Até pequenas minhocas apareciam fazendo suas galerias, brincando com os nematoides que elas não gostavam. Mas tudo isso ocorria somente na camada superficial. Em pouca profundidade, a vida acabava. Aqui reinava um silencio intenso e absoluto que a laje dura, a falta de ar e a presença de dezenas de antibióticos impunham. Estes foram lavados da camada superficial e banidos para essas regiões. Os fungos que os produziam queriam com isso, assegurar a sua supremacia na terra e não queriam entender que seus antibióticos não podiam ficar na camada superficial densamente populada.  A terra os repreendeu: “Aqui ninguém domina, todos tem direitos iguais.” E mandou as chuvas lavarem os antibióticos que os fungos novamente tinham produzido. No subsolo eles se acumulavam, hostis e furibundos, pensando em vingança. “Não são os fungos que amarram os grumos para que as chuvas os despedacem, fazendo ruir seus poros? Perguntaram rancorosos. “São sim,” respondeu a terra, “Mas os fungos não os amarram por amor e sim porque sugam os açucares que servem para colar os grumos. “E quem produz os açucares, são as bactérias, que vocês, antibióticos, pretendem matar.” Mas os antibióticos não se deram por vencidos. “Os fungos podem viver sem bactérias!” “Podem sim, mas eu não posso viver sem bactérias.” Disse a terra com tanta rispidez que os antibióticos verificaram que era o fim da conversa. Mas agora os fungos se sentiam injustiçados.” “Como é que você permite que suas queridas raizinhas soltem toxinas para defender seu espaço ao redor? Estas você não manda remover. Estas podem ficar.” A terra ficou indignada. “Deixo-as porque são somente uma barreira contra sua gula, e as bactérias podem usá-las como alimento.” Agora os fungos ficaram raivosos. “Isso é muito bonito, mas diga-nos quem é que cobre estas raízes com uma pelúcia fina para ajudá-la a se alimentar? Quem é?” “Claro que são também fungos, os micorrizas e as plantas agradecem muito este serviço inestimável. Mas quem é que faz os poros de arejamento para que as micorrizas não morram asfixiadas? São as bactérias e as minhocas e outros animaizinhos que não se dão com seus antibióticos. E, além disso, bactérias também podem entrar nas raízes, formando pequenos nódulos onde fixam nitrogênio.” Isso era demais para os fungos. “Fazem isso somente em algumas leguminosas, e nós, ajudamos em todas as plantas. E sem alguns fungos acossando as bactérias noduladoras, elas morreriam de tédio, e não fixariam nada.” A terra não quis mais brigar. “Todos são necessários, e se um desaparecer, faria muita falta e lançaria os outros em apuros. E minha vida iria continuar aos trancos e solavancos, cheio de sustos e de alternativas de emergência. Por isso não quero mais antibióticos na camada superficial. No subsolo estão muito bem acomodados.” Os fungos resmungaram algo sobre protecionismo, mas finalmente se

acalmaram.

    As Estrelas brilhavam no céu como sempre, e os colêmbolos, estes incríveis saltadores, os ácaros, as aranhas, os besouros, as centopeias e outros corriam sobre o campo a procura de algum petisco extra. Mas quando veio o sol, todos se refugiaram novamente na terra fresca. Só as formigas corriam e gritavam suas ordens.

    Mas um dia vieram os tratores. Os motores roncavam e expulsavam um arzinho quente e malcheiroso pelas chaminés, e, quando faziam algum esforço, soltavam uma fumaça densa e preta. Os engates dos hidráulicos baixavam os arados com seus discos enormes, brilhando na luz da aurora, que cortavam a terra profundamente. Os tratores potentes puxavam calmamente os arados, revolvendo a terra até 40 cm de profundidade. Quebravam a laje e viravam torrões enormes à superfície.

A terra gritou: “Não, não podem fazer isso!” Mas os discos riam. “Claro que podemos. Quem é que vai proibi-lo?” “Mas não podem virar a minha pele porosa para dentro e minhas tripas para fora.” “Não se preocupe,” sibilaram os discos, “Depois passam o rolo destrorroador e você vai ficar mansinha e lisinha que é uma beleza.” A terra ficou desesperada “Não me preocupo com a beleza, mas quem é que pode viver com as entranhas para fora. Vou morrer!” O arado parecia surpreso. “Terra não tem vida, é somente pedra moída e dissolvida e recristalizada ou, sei lá o que.” “Tem vida” gritaram os mentrastos, mas os discos já os tinham pegado e os revolveram para baixo abafando suas vozes. “Não, por favor, não,” gemiam as bactérias. “vocês não podem nos enterrar.” “Isso é assunto seu, não temos nada a ver com isso,” diziam os discos algo aborrecidos. “Tenham dó!” suplicavam os bichinhos da terra, “Vocês não podem nos virar para cima, expondo-nos ao sol. “Ai, morreremos de calor e sede. “Isso não é problema nosso” cantavam os discos, que em cada volta espelhavam o sol, jogando reflexos de luz por cima do campo. Sentiam-se poderosos e adoravam ver como tudo se curvava diante de sua força.

        Com os torrões, também subiam os antibióticos. Faziam uma algazarra horrível, rindo e gritando. “Agora sim, agora somos nós que mandamos!”

        Os bichinhos da terra corriam para se salvar, mas os passarinhos faziam a festa. Engoliram o que puderam. “Gracias, Gracias” chilraram. E o Quero-Quero pavoneava sobre o campo catando besouros e minhocas e até os gaviões pousavam para apanhar algumas larvas gordas ou até mesmo ratinhos. “Ladrões, ladrões,” gritava a terra, “Saquear depois de uma catástrofe é crime! pilhadores marotos!” Mas ninguém se importava e o Quero-Quero começou a gritar: “Quero mais, quero mais,” e todos riram da piada.

        A água que estava nos poros da terra fugiu apavorada para o ar, cobrindo o campo com uma neblina fina. Mas o vento a levou logo. “Eu mobilizo a terra” disse o arado com orgulho e brilhou. “Mobiliza nada” disse a terra asperamente. O arado se admirou: “Mas não estou arejando suas entranhas, estas camadas duras, doentias  que eram tão anaeróbias?” a terra se exasperou: “Mas para que? Lá não tem húmus, nem vida. As lajes se formaram pelo mau trato que me deram. Elas estão mortas. Vocês mobilizam somente defunto!” “Pois é,” disse o arado já irritado, “Eu avivo estas camadas mortas” “Aviva nada. Para haver vida precisa-se de comida, que no meu caso é algo material orgânico como olhas, palha, raízes, bactérias mortas excrementos de bichinhos: mas aqui não existe nada disso.” Agora o arado ficou bravo. “O que é que você quer que eu faça? Passar mais superficial e arrebentar estas lajes somente com algum bico de cultivador ou subsolador ou pé de pato e plantar algo que enraíza as fendas e rachaduras assim criadas para possibilitar a vida,” respondeu a terra mansinha e humilde. “É muito trabalho!” ponderou o arado, “Assim é mais fácil.” E os antibióticos começaram a rir. “Calma, calma, quem é mobilizado somos nós. Mobilizados e liberados, mãezinha terra carrancuda.” Isso era demais para a terra e ela desmaiou.

        O “Seu Mané” vendo todos estes torrões, mandou o rolo destorroador. Passou uma vez e depois mais uma vez em sentido cruzado. Fez um serviço ótimo. Depois veio ainda a grade niveladora e o campo ficou planinho e bonito, como hortado. As sementes hão de agradecer! Faz tempo que não fazia um preparo de solo tão caprichado, tão perfeito. A terra estava muito estragada. Ele tinha reparado isso nas colheitas que diminuíam ano a ano, apesar de todos os adubos que tinha aplicado. E somente a terra estragada vira torrões destes à superfície, quando arada.

        Plantou soja com bastante adubo, apesar do financiamento a juros altos. A terra sempre gostou de sementes. Adorava sentir a vida brotar. DE adubo comprado, não gostava, mas este era um costume dos homens, tinha de conviver com isso e sofrer as consequências. Nunca jogavam sementes sem adubar. Era uma filosofia deles algo estranha. Primeiro deixam a terra nua e desprotegida para que se formasse as lajes através da violência das chuvas e os grumos despedaçados. E a argila, era ali depositada pela água turva que se infiltrava. As raízes não conseguiam mais quebrar essa camada dura, a laje, uma vez que lhes faltava o boro para ter força, depois porque a água já não passava livremente por ali. Então, cresciam cada vez mais superficialmente, explorando cada vez menos a terra. Aí, jogavam o adubo para compensar a falta de espaço para as raízes. Como era muito adubo em forma de sais solúveis, para uma pequena camada de terra, e as raízes não podiam mais conseguir o suficiente em água para viver com todo esse sal, começou-se a irrigar para diluir esta salmoura.

        E quando tudo não adiantava mais resolveu-se arar bem profundo para quebrar esta laje e as raízes ganharem mais espaço. Os homens que estudaram muito deviam saber o porquê. Porque virar a terra morta para a superfície, somente poderia gerar outra laje, pior que primeira, por a terra não resistir mais a chuva, encrostando rapidamente. Não tinha mais grumos e poros. Estava tudo reduzido a pó, pulverizado! E a chuva escorria. Mas, “a cada bichinho seu prazerzinho, e a cada macaco seu galho.” Dizia a toupeira velha que morava no meio do pasto. Agora mataram-no com o herbicida Tordon, o mesmo agente químico com que desfolharam as matas no Vietnam e que, devido a isso, quase virou deserto. Coitado!

        Do adubo, a terra não gostava, mas das sementes sim, porém se assustou com o herbicida que lançaram antes do plantio. Não compreendeu bem porque, uma vez virada a camada repleta de antibióticos para a superfície não tinha muita semente de mato para germinar. Lá em baixo, tudo era muito estéril. Derrubaram também as últimas árvores, para melhor moto – mecanizar. Assim entrou um pouco mais vento. Mas a terra já nem ligou mais.

        E depois veio a chuva. Como a terra gostava de chuva. Mas desta vez, não era amigável. As gotas caíam, batendo com força na terra desprotegida e pulverizada, porém neste pó, não podiam entrar facilmente. “Ai, Ai”, gritou a terra: “Vocês me machucam!” As gotas de chuva se desculparam, porque não podiam voltar mais às nuvens. Tinham que cair ali mesmo. O problema é que faltava proteção para a terra. Mas quando estavam no campo, não achavam as portinhas dos túneis ou poros. Batiam desesperadamente  em muitos lugares para ver se alguém abria. Mas nada. A terra encrostou, devido a violência da chuva e as gotinhas que não puderam entrar gritavam: “Ajudem, temos de entrar, temos de infiltrar-nos na terra. E finalmente gritaram em pânico:” “Não o tome por mal, querida terra, mas não podemos fazer fila em frente de um buraquinho minúsculo para ver se conseguimos entrar.” E se forem embora ladeira abaixo, levando terra, cavando sulcos, erodindo o campo. E os rios, que de repente, receberam toda água de uma só vez encheram, inundaram campos e cidades, assorearam represas que encontram no caminho. Era um desastre pavoroso. E o “Seu Mané” se apavorou quando viu os sulcos e seu campo, e os homens da cidade se horrorizavam, culpando Deus por este flagelo. Mas a terra protestou: “O Seu Mané não é Deus e nunca o foi. Fez tudo isso com seu arado potente.” Mas o arado que ainda estava na beira do campo contestou: “Não fui eu, foi o trator que era potente demais e me deixou entrar tão profundo na terra.” O pardal contou isso ao trator e este disse: Não fui eu quem baixou tanto o hidráulico, foi o tratorista!” Mas o tratorista quando soube disso se defendeu:” “foi o Seu Mané que me mandou fazer essa aração profunda.” Mas o Seu Mané quando viu todo esse desastre não se sentiu culpado: “Fui aconselhado a fazer isso porque a terra já estava dura demais. Não sabia que ia terminar assim. Pensei que fiz a coisa mais bem feita do mundo. O trator ficou furioso: “Se não sabe pensar, então não pense. Pensar é coisa de sorte, e esta você definitivamente não teve. E como você explicará isso aos milhares de desabrigados? Dizer desculpe, não sabia?” “Estão culpando a Deus e não sabem que fui eu.” Disse o Seu Mané algo aliviado.

        As sementinhas de soja se mexeram, nasciam e queriam subir à superfície da terra, mas a crosta na superfície da terra formada pela chuva, era dura demais. Muitas não tinham a força para quebra-la. Choravam e imploravam: “Por favor, ajudem-nos a emergir. Estamos presas, temos que sair para o sol. “A terra se mexeu, se movimentou e rachou e mais algumas conseguiram sair pelas fendas e frestas que se abriam. Outras fizeram tentativas sobre tentativas mas não o conseguiram. Finalmente aceitaram sua condenação de nunca poder ver o sol, nunca poder crescer, florir e frutificar. E para encurtar a prisão, vieram os fungos que as comeram.

        “Como as sementes são ruins” dizia Seu Mané, “nasceram tão irregulares e falhas.

        A terra ficou triste. Nenhuma planta nativa apareceu. Os herbicidas, junto com os antibióticos se associaram e tornaram a terra inabitável. E a cada vez que chovia a erosão se tornava pior. A a chuva nem penetrava mais na terra. Escorria diretamente, e poucos dias depois a seca já castigava. “Por favor, não me deixem morrer de sede!” suplicou a terra e com ela as plantinhas de soja nascidas. Mas as gotinhas de chuva só podiam dar uma leve carícia à terra e fugir.

        As sementes que nasceram se queixaram de pouca ´´agua. O adubo colocado bem perto de suas raízes não foi procurado pelas raízes. Ele chamou:  “Estou aqui.” As raízes vieram para inspecioná-lo. Parece bom, mas não podemos te engolir em pelotas. Falta água. Teria que estar dissolvido.” Todos começaram a rezar. “Ajude Nosso Senhor, ajude” e Deus olhou a terra tão estragada e disse: “Dei você aos homens. É o livre arbítrio deles. Não seria democrático se interviesse fazendo milagre. Não posso ferir a liberdade deles. Se o homem acha que tem a liberdade de destruir a terra, o meio ambiente, a si mesmo, tenho que deixá-lo. Parece que desta vez será exterminado sem dilúvio.”

        O Seu Mané não colheu a soja. Abandonou o campo que não prestava mais e que somente deu um tremendo prejuízo.

        Agora virão as plantinhas amigas para me curar, pensou a terra. Mas não contou com o pacto dos herbicidas com os antibióticos, era um pacto satânico poderoso que nenhuma plantinha podia burlar.

        Apareceu um saci, olhou a terra nua e sulcada pela erosão, deu uma risadinha, esfregou as mãozinhas, tirou uma baforada de seu cachimbo e disse: “Isto é alta tecnologia para criar deserto.” Balançou a cabeça, sacudiu as orelhas e se foi pulando em sua única perna.