Compartilhando momentos preciosos com Primavesi
O relato abaixo conta como Ana Primavesi curou seu marido Artur da febre amarela:
“A febre amarela de repente se espalhou, e dezesseis pessoas em Passos haviam sido infectadas, dezessete com Artur. Queriam levá-lo para o hospital e mostraram uma lista de remédios que deveriam ser ministrados. “E isso cura?” Ana quis saber. “Não, febre amarela não tem cura.” “E para que os remédios?” Por fim, ante a cara do homem, que não tinha nem a solução nem a resposta para suas perguntas, ela resolveu: “Vou pedir que meu marido fique em casa mesmo. Pelo menos ele poderá morrer em meio à sua família.”
Ana saiu à procura de ervas que pudessem curar febre amarela. Foi para o mato, procurou os índios mas quando dizia “febre amarela”, todos abanavam a cabeça: “Para isso não tem remédio, não tem cura.” Ela percebeu que a pergunta tinha que ser diferente: “O que vocês fazem para problemas de fígado e bílis?” Ninguém tinha dito que o fígado era atacado, mas era evidente que por causa disso o doente ficava com aquela cor amarelada. E as receitas apareceram: xarope de agrião. Chá de raiz de jurubeba e pariparoba. Quebra-pedra, raiz de mentrasto e erva- tostão. Raiz de picão-preto e frutinhas de jurubeba. Chá de cabelos de milho. Chá de folhas de alcachofra. Suco de limão e de laranja doce. Sementes de veludinho colocados em vinho do Porto. Levedura de cerveja. Ana não distinguia a maioria das ervas mas Perciliana sim, e mesmo duvidando da eficácia do tratamento, ajudou Ana a consegui-las o mais rápido possível. Ana fez de tudo e deu de tudo, e o milagre aconteceu. Artur sarou! O único, entre todos os que tinham sido infectados. Foi uma sensação, e o feito se espalhou. Vieram pessoas da Universidade de São Paulo e de Belo Horizonte para saber como tinha conseguido, mas ela não sabia responder. Podia ter sido uma das receitas, ou a combinação de todas elas, ou de algumas delas, ou a ordem em que foram dadas. O fato era que Artur estava curado.”
(In: Ana Maria Primavesi – Histórias de Vida e Agroecologia. Ed. Expressão Popular.)
As receitas de Primavesi, por ela denominadas de “Receitas de índios e bugres”, estão sendo escritas para futura publicação.
Sentadas lado a lado, eu tentava perguntar a ela medidas. Quanto se toma? Por quanto tempo? Como passar? Uma colher? Cálice?
Chegamos à receita de febre amarela. Toma tudo junto?
Ela tentava responder mas não havia exatidão. “Sim tudo junto”. Mas mistura tudo ou separado? “Não sei”.
Vou compartilhar aqui o que ela me disse, com suas próprias palavras, anotadas na pressa de não perder a riqueza de seu relato:
“Todas essas coisas tem que ter uma intuição para usar. Eu tentei de tudo um pouco, dei um, dei outro, você tem que ir vendo o que acontece, e não é tão fácil. Dei um pouquinho no começo, vai aumentando depois. Quanto menos dá, mais efeito faz. O próprio homem reage. As pessoas acham que começa a funcionar e aí dão mais ainda. Não. Tem que deixar o corpo trabalhar para reagir, porque é ele que vai suportar o remédio.”
Muitas receitas são de chás, uma colher de sopa 3 vezes ao dia. “Dra Ana, não é pouco? – perguntei. “Não, seu corpo vai entender que precisa melhorar. E se não faz efeito, então tem que tentar outra coisa.”
Virgínia Knabben