Aniversário de Ana Primavesi – 96 anos

A ancestral de todas as macieiras surgiu no sudoeste da Ásia.

Planta de clima frio, suas sementes viajaram pelo mundo espalhadas pelo vento, grudadas nos pelos, nas fezes dos animais, no bolso dos viajantes. A disseminação carrega em si a história de muitas jornadas.

Ao longo de todo o verão, as folhas da macieira respiram, transpiram, transformando a luz do sol em doçura, o fruto em tentação. Enquanto respiram, as folhas da macieira exalam a umidade sugada pelas raízes. Raízes… Quem as vê? Mas “o essencial é invisível aos olhos…” E nas profundezas do solo, na interação entre seres microscópicos, constrói-se uma fortaleza chamada árvore. Majestosa, ela reina sobre nossas cabeças. Indulgente, ressurge nos lugares mais estranhos. É a prova de que a vida pulsa.

A maçã contém a respiração de toda a macieira. Contém cada amanhecer, cada raio de sol, cada brisa, a geada, cada toque de borboleta recebido. Uma fruta abençoada pelo incessante leva-e-traz de seivas, pela logística da fotossíntese, pelo trabalho competente do solo. Em todas as árvores, folhas e galhos em algum momento retornam a ele. O SOLO. Nesse mundo à parte, sob nossos pés, cheio de ação e mistério, criaturas que não sabemos que existem, que tamanho têm, que trabalho executam, cuidam de nós. Sem elas, não teríamos alimento.

Dependemos do solo VIVO para existirmos, um solo que não é só o chão em que pisamos e nos equilibramos. Um solo que não é inerte, doente, sujo. Um punhado de terra é tão transbordante de vida que levaria anos para tomarmos conhecimento, de fato, de tanta complexidade e harmonia. Como numa orquestra, cada ser dá o seu tom, elaborando a harmoniosa música da vida.

No período de dormência a planta recolhe-se. É quando galhos e folhas retornam ao solo, para se transformarem de novo em galhos, ou folhas, ou flores, ou frutos. Então aquela maçã se forma, vistosa, cheirosa. O pássaro que a come alimenta-se de um produto coletivo, um trabalho árduo, incessante, mas natural. E quando ele retorna ao solo, quando a vida se extingue no seu corpo, é o solo que o acolherá. E de matéria putrefata, transformá-lo-á no adubo mais cheiroso, com um perfume único. Cheiro de terra. Cheiro de nós mesmos. Essência de quem somos.

Existem vários tipos de maçãs: gala, golden, fuji, ginger. Até uma chamada Ana vermelha. Maçãs que carregam a semente do que se aprendeu e apreendeu, que perpetuam em seu código interno a sabedoria da terra, do saber brotar, desenvolver e frutificar. Cada maçã aqui representada, outrora flor, é fruto, da terra. E a terra, o solo, nos foi desvendado por ANA MARIA PRIMAVESI.

Somos todos macieiras em flor. Potencialmente frutos, mas seres desabrochantes nesse mundo de possibilidades. Cada maçã nova lançará também novas sementes e dela surgirão novas plantas. Cada semente germinada dessa árvore frondosa chamada Ana Primavesi carrega, dentro de si, o amor à terra.

Em sua jornada, Ana Primavesi deixou um rastro. O que é um rastro senão uma marca na terra? Assim é. O seu rastro permanece. Em seu rastro seguimos. Ele nos guiará, e em seus sulcos nossas sementes serão derramadas. Sementes de Primavesi. Árvore mestra, matriz de todos nós.

– trecho final de sua biografia – Ana Maria Primavesi- histórias de vida e agroecologia.