Uma alternativa ou uma necessidade

Quem vê a Agricultura Alternativa na Europa tem a impressão de que se trata realmente somente de alguma alternativa para quem quer comer alimentos sem agrotóxicos, ou pela comercialização mais fácil ou pelos preços maiores destes produtos ou por convicção filosófica como dos antropósofos. Em alguns países como na Dinamarca e França os governos financiam a conversão para a agricultura orgânica porque é mais barata para os Estados e seus governos. Na Alemanha foram criadas duas faculdades de “Oeko-Landbau”, isto é, de agricultura ecológica para melhor poder frear a decadência dos solos e a aridização do clima.

Quem vem da África, especialmente dos estados do Saara, e que viu o desespero destes povos por causa do avanço anual e implacável do deserto do Saara e o fanatismo com que propagam a agricultura ecológica ou “agro-ecologia” como a chamam, tem a firme convicção que esta é a única maneira para se salvar de ser engolidos pelo deserto. Tentaram toda tecnologia química-mecânica e o deserto avançou mais rápido. E, o veículo do avanço do deserto são a erosão e o vento.

No Brasil, geralmente se considera “ecológico” qualquer ato de misericórdia para com a natureza, criando-se reservas naturais, protegendo-se a floresta Amazônica ou protegendo algum animal ou planta em extinção. É promovido pelos ambientalistas. É, de certo, uma atitude algo incômoda para os que se dedicam à agro-indústria ou como os poloneses a chamam “a agricultura capitalista-consumista”. Estes dependem do aumento constante das fronteiras agrícolas, ou seja, da área plantada, uma vez que o aumento das safras se dá pela área e não pela maior produção por área. Portanto, o representante brasileiro na reunião da defesa do meio ambiente em Haia voltou todo eufórico porque conseguiu que a fiscalização internacional do nosso meio ambiente não fosse aprovada, embora valha para os outros países do mundo.

Um dia me perguntaram: agricultura ecológica tem base científica? Comecei pesquisar o assunto a fundo. E o resultado foi algo surpreendente porque somente a agricultura ecológica possui base científica sólida. Apoia-se nas exigências fisiológicas da planta e entre nós suas exigências em clima tropical.

 

A agricultura convencional, embora química-motomecanizada fabulosamente, não possui base científica global, ou seja, como inteiro. Pesquisa somente fatores isolados como: fósforo dá ou não dá efeito em tal variedade, em determinado tipo de solo. Nitrogênio reage ou não reage em tal solo e tal variedade. O potássio aumenta ou não aumenta a colheita em determinado solo e espécie. A correção do pH beneficia ou não beneficia os cultivos em determinado tipo de solo. E ai praticamente termina.

 

E isso, francamente, não é propriamente uma base científica. São resultados isolados de pesquisa executados de maneira científica que somente informam se a planta produz mais com esta ou aquela técnica. Não informam, porém se a planta se torna menos suscetível, mais forte, mais resistente ou mais nutritiva. Isso já é assunto da genética. Consequentemente, com o maior uso de NPK (nitrogênio, fósforo, potássio) tem de ser usados mais defensivos porque as plantas ficaram mais suscetíveis por causa de desequilíbrios nutricionais.

No mundo inteiro, atualmente se exige a “sustainable agriculture”, ou seja, a agricultura suportável, ou sustentável. Ela deve ser suportada pelo meio-ambiente sem devastação das matas, do clima e dos rios. Deve ser suportada pelos solos sem decadência e erosão, pela economia do agricultor e dos Governos, nem levando o produtor à falência nem causando uma dívida interna do Estado. Tem de ser suportada socialmente e no Japão exigem que seja também suportável culturalmente. Chegou-se à surpreendente revelação de que em todos os países do mundo a agricultura convencional é subvencionada de alguma maneira seja pela compra dos excedentes pelo governo, por juros mais baixos, por adubos subvencionados, ou pela exportação subvencionada de maneira direta ou indiretamente como pela desvalorização do dólar. Quando nos EUA, se retirou parte do subsídio da agricultura, muitos dos produtores foram à falência.

Por outro lado, as pesquisas no setor da termodinâmica mostram que nenhum sistema agrícola é suportável quando gasta muito mais energia do que produz. A continuação da vida neste globo somente é garantida se o ciclo é fechado e gastos e ganhos são “zerados”, ou seja, em perfeito equilíbrio. E a preocupação cresce, por este sistema convencional não garantir a sobrevivência da espécie humana.

Agricultura ecológica significa otimizar TODOS os fatores naturais e para isso tem de ser mantido seu equilíbrio na medida do possível. E quando aparecem pragas e doenças sabe-se que a nutrição vegetal é desequilibrada e no momento em que surge a erosão podem ter certeza que o solo é impermeável e o abastecimento com água e ar das culturas é comprometido. Se a água escorre e não se infiltra causa erosão, enchentes e em seguida seca. Os rios ficam com seus mananciais vazios, quase sem nascentes e afluentes e corre somente água quando chove, como no rio Paraiba, Tocantins, etc. E se há seca prolongada não adiantam os melhores sistemas de irrigação porque falta água e força elétrica. Constroem-se açudes, mas se a seca se delonga estes também ficam vazios.

Solos com erosão são também solos mais ou menos anaeróbios. Faltam os poros de ventilação. Oxigênio se precisa no solo para fornecer à planta nutrientes em formas aproveitáveis. Assim, por exemplo, o enxofre em solo anaeróbio se torna gás sulfídrico, altamente tóxico às plantas e embora elas necessitem de S para a formação de proteínas, não o podem aproveitar nesta forma. Gás carbônico, a base da fotossíntese, e que sai em sua maioria do solo, se transforma em metano, manganês tri-valente se reduz a bi-valente, tornando-se tóxico e o nitrogênio se reduz à sua forma elementar e se volatiza, saindo do solo. E assim por diante.

Também o metabolismo das plantas depende do oxigênio do solo e sua absorção pelas raízes. Somente o arroz é uma exceção podendo captá-lo pelas folhas e transportá-lo às raízes. Se faltar oxigênio o metabolismo diminui consideravelmente, quer dizer, a formação e decomposição de substâncias (anabolismo e catabolismo) é seriamente comprometida. Se o metabolismo se torna moroso as plantas se tornam mais suscetíveis a doenças e pragas. Nos EUA existe um serviço de alerta. Fotografam as culturas com luz infravermelha. Se a cor for fraca, acusando metabolismo fraco, avisam o agricultor de se prevenir através de defensivos uma vez que a cultura não é resistente.

Na Universidade Rural do Rio de Janeiro constataram que M.O. (matéria orgânica) controla eficientemente manganês tóxico. Por quê? M.O. não é adubo orgânico como muitos acreditam mas primordialmente “condicionador” do solo. Quer dizer, restaura o sistema poroso superficial, permitindo a entrada de ar no solo. Aí o manganês se oxida tornando-se atóxico. Os nutrientes orgânicos que libera na decomposição são um brinde! Portanto, M.O. é indispensável para qualquer solo, tanto faz se usar adubo orgânico ou químico.

E como a restauração ou recuperação da estrutura porosa do solo ocorre através da micro e mesovida e suas substâncias excretadas, a M.O. promove o controle ecológico de pragas e doenças. Se existirem muitas espécies diferentes no solo, uma come a outra, formando a famosa “cadeia alimentícia”. Portanto, nenhuma espécie consegue se multiplicar demasiadamente para poder se tornar praga ou peste. Quanto menos espécies existirem, tanto maior a possibilidade de parasitismo. E não depende do “inimigo natural”, depende do equilíbrio do sistema!

Deve-se devolver o máximo de matéria orgânica, ao solo superficial. Portanto, não adianta também, devolver sempre a mesma M.O., como, por exemplo, na monocultura de soja, porque os microseres são muito especializados, possuindo somente 1 a 2 enzimas para sua digestão. Portanto, são programados para 1 ou 2 substâncias ou estruturas químicas muito específicas. Se estas não existirem não conseguem sobreviver. Assim, monocultura é a seleção de determinadas espécies de micróbios, fungos e insetos. E, portanto, nenhum parasita consegue atacar uma planta que não apresenta as substâncias que ele é capaz de decompor. Por isso, mesmo muita palha de uma monocultura não impede parasitas. Tem de haver rotação de culturas e quanto mais culturas diferentes entram numa rotação tanto mais sadia eles serão, se elas conseguem, igualmente, o suficiente em micronutrientes.

E aí o perigo da supercalagem e superadubação com NPK. Desequilibra os outros nutrientes, que devem existir em proporção determinada para que a planta seja saudável. Assim o antagonista de N é Cu; de P é Zn; de K é B; de Ca é Mn, etc. Os micronutrientes ativam enzimas que ajudam e apressam a formação de substâncias vegetais como proteínas, graxas, amidos, substâncias aromáticas, vitaminas, hormônios e auxinas, fenóis e corantes, etc. Sem os suficientes micronutrientes o produto parece-se com uma caixa de presente: bem acondicionada mais vazia.

Variedades altamente exigentes em NPK como os HRV são destrutivos para o solo e exigentes em agrotóxicos. Portanto, sua produção é cara e arriscada.

Ecológico também é controlar a temperatura do solo. As plantas, com raríssimas exceções, não conseguem absorver água de solos com temperatura acima de 32°C. Entre nós, às 14 h o solo geralmente ostenta uma temperatura de 520C a 56°C e que pode ir até 76°C. Isso significa que a planta sofre diariamente um stress térmico. E por cada 1°C acima de 36°C, a planta armazena 4% de carboidratos na raiz. E com estes carboidratos ela florece e frutifica. Isso significa que uma temperatura de 56°C baixa o armazenamento de reservas em 80%.

Por isso se tenta cobrir o solo de maneira mais diversa, seja por espaçamento menor, por cultivos consorciados como milho com feijão-de-porco ou arroz com calopogônio, ou por cobertura morta, como se usa no Plantio Direto. Mas como nos trópicos nenhuma destas alternativas serve para soja, a maneira mais viável de se manter a temperatura do solo baixa, é criar uma superfície porosa do solo que forma isolante térmico, tanto pelos poros com ar quanto pelos poros que conservem água. Estes solos aquecem menos.

A Agricultura Ecológica, portanto, não é somente uma alternativa para quem quer produzir de maneira diferente, mas sim uma necessidade preeminente para todos os produtores. E esta produção se torna mais segura, mais barata e mais nutritiva. É simplesmente a tecnologia adequada para nosso clima tropical, que permite colheitas altas, mas conserva o solo.