Os agricultores têm todos os seus valores humanos. Não são robôs que executam automaticamente o que lhes foi mandado.
Não lhes falta inteligência, mesmo alguns sendo analfabetos. Neste caso, não aprenderam o ofício de ler e escrever, o que não influi nem um pouco sobre sua inteligência. Mas pela lavagem cerebral sistemática durante os últimos anos, conseguiram rebaixar o agricultor de maneira que aniquilaram sua autoconfiança. Ele não acredita mais em si, porque não entende a lógica da agricultura convencional e, portanto, sempre vive e espera por receitas.
A autoconfiança deveria ser ressuscitada primeiro. O agricultor deve acreditar em si mesmo e no que observa. Ele deve observar, pensar e depois experimentar. Se der certo, e geralmente dá, deve por em prática o que observou. Isso faz milagres e pode criar paraísos verdes e produtivos em áreas semidesérticas.
Como ensinar o agricultor
É muito importante não se apresentar perante o agricultor como “o doutor que vai lhe ensinar”, mas como Pedro ou Paulo, que quer lhe ajudar.
Nunca criticar ou ridicularizar algo ou alguém, nem os transgênicos nem as firmas de agrotóxicos. Se possuir uma solução ou método melhor, fale. Se não o possuir, criticar também não adianta. É melhor calar-se.
Por exemplo: há curuquerê na couve-flor. Isso ocorre porque falta molibdênio. Se pulverizar a couve-flor com molibdato de sódio foliar, as traças que depositam aqui seus ovos vão embora e nem aparecem mais porque suas larvas não podem mais comer as folhas e a plantação fica livre de suas larvinhas. Portanto, não necessita falar contra agrotóxicos, somente ensinar como evitar as pragas.
Ou, se tem guanxuma, indica que seu solo é muito compactado. Não adianta falar contra herbicidas, tem de melhorar o seu solo.
Assim, primeiro tem de ver no campo o que acontece e ouvir os problemas dos agricultores, depois:
- Verificar o mato ou invasoras que aparecem e ver o que elas indicam: compactações, deficiências, pH ácido ou alcalino, água estagnada, uso de composto de esterco animal, deficiências minerais, irrigação com água do rio contaminado com esgoto urbano (aparece losna brava, etc.);
- Tirar uma lasca de terra para examiná-la e ver a agregação, compactações e lajes, cor ou descoloração, enraizamento, etc.;
- Tirar algumas raízes do solo e examinar a maneira como crescem, a profundidade do plantio, se o ponto vegetativo foi enterrado, se mostram deficiências, se indicam uma irrigação espaçada demais, etc.;
- Verificar as deficiências minerais que as culturas indicam pela descoloração das folhas (desequilíbrios minerais -> comparando a análise do solo com a deficiência que as plantas indicam);
- Tentar determinar e solucionar o problema. *
Uma palestra para agricultores tem de identificar seus problemas, explicar o por quê ocorrem e dizer como resolvê-los. Isso exige que se vá primeiro ao campo para ver o que eles fazem e o que está errado e depois falar sobre isso e a solução. Uma palestra geral, mesmo se for muito boa, serve para estudantes, mas não para agricultores.
Exemplos:
A produção de leite é baixa. O agricultor quer saber qual a forrageira melhor, o que poderia plantar. Mas os pastos estão todos descampados e o gado sofre por causa do sol e frio. Aí o problema não é mudar de forrageira, mas o gado necessita de algum conforto, isto é, um pouco de sombra ou abrigo. Arborizando o pasto (50 pés por ha) ou fazendo pequenos bosques, cria-se conforto para as vacas. E pelo conforto, o leite, no mínimo, dobra.
Ou o agricultor quer saber por que suas beterrabas vermelhas nunca produzem. Ele acha que a terra é muito pobre. Mas olhando as raízes, todas estavam com a ponta virada para cima. O problema foi: 1- plantaram-nas sempre por último e as mudas já estavam passadas. Com as raízes saindo das bandejas e que viraram para cima durante o plantio; 2- verificando a cor das folhas, estas estavam vermelhas em lugar de verdes, indicando a falta de boro. Com boro no solo e raízes plantadas para baixo, deram beterrabas vermelhas maravilhosamente.
Ou: os cafeeiros dão pouco e morrem depois de 3 anos: pode ser que o ponto vegetativo tenha sido enterrado; pode ser que enterrou composto fundo da cova e as raízes ficaram superficiais; ou que a raiz não saiu da cova porque faltou boro no solo. Descoberto o problema, dá para contorná-lo.
Sempre se deve ver as raízes, descobrir o que está errado e depois explicar isso na palestra.
Ou: os agricultores acham que seus solos são muito pobres e por isso suas verduras crescem tão desiguais. Tem de ver as raízes. Normalmente são mal plantadas e onde elas estão viradas para o lado as plantas não produzem. Também tem de verificar onde está o composto colocado. Se foi enterrado, tem que explicar que é errado.
Ou: um bananal foi adubado com 2.500kg/ha de KCl e mesmo assim os problemas continuam. Tem de verificar se o potássio fez efeito. Isso se vê facilmente pela oxidação do tronco. Cortando-se um tronco, observa-se quanto tempo leva para o corte escurecer. Se escurecer rapidamente, falta boro. Se isso for o caso, quase sempre o segundo anel de células é aguado ou até podre. Também no cacau, na batatinha, na maçã se corta um fruto ainda verde ou um tubérculo e observa-se a oxidação. Se oxidar rapidamente o potássio, não faz efeito porque falta boro.
Ou: árvores frutíferas carregam alternadamente um ano sim, um ano não. Normalmente é falta de magnésio. Mas se a terra é riquíssima em Mg, há um desequilíbrio entre Mg/Zn. Acrescentando o zinco, o Mg faz efeito e as árvores carregam todos os anos.
Ou: por que tem cochonilhas? Porque falta cálcio.
Por que tem Spodoptera no milho? Falta boro.
Por que aparece guanxuma no pomar, na soja, ou batatinhas? Porque a terra é compactada.
É preciso ver primeiro os problemas e depois falar diretamente sobre eles e sua solução. Para o agricultor não adianta falar sobre assuntos gerais, tem de ir direto aos problemas dele.
Pode usar de vez em quando uma palavra técnica, mas tem de explicá-la logo em seguida. Se o agricultor não entende as palavras, mesmo se tudo for certo, não adianta em nada. Se explicar alguma coisa sempre tem de dar algum exemplo, uma história que ilustra o que diz. Com as histórias eles memorizam melhor.
Por exemplo, o gado come plástico, papel, casacos, plantas tóxicas, etc. Por que? Por falta de fósforo no cocho. Quando estive em Fernando de Noronha, um touro de estimação do pessoal lá entrava na secretaria do Palácio do Governo e comia toda a correspondência e os despachos. Quando recebeu farinha de osso no cocho, nunca mais subiu lá.
Ou o pasto onde as forrageiras, que normalmente fazem guias como a Brachiaria decumbens ou Digitaria sanguinalis, somente fazem o tufinho no meio. Aí se vê que falta fósforo no pasto para produzir tanto forragem como aminoácidos essenciais. Isso nos faz concluir que nas vacas leiteiras deve aparecer muita mastite (e normalmente tem mesmo). E não adianta a higiene extrema se não melhorar o fósforo no pasto. Neste caso, fósforo no cocho não adianta. E aí tem que ver se as raízes são profundas ou superficiais. Se são:
- profundas, adubar resolve,
- superficiais, não adianta adubar, necessita-se de repouso para o pasto para permitir às raízes crescer e suprir as forrageiras com fósforo.
Por fim, tem de se ensinar ao agricultor que:
- ele tem dois olhos para olhar e uma cabeça para pensar e não somente para botar um chapéu, e que ele deve ter confiança naquilo que ele vê e o que ele pensa;
- os pontos a serem observados são: a vida do solo e sua consequente compactação ou agregação; a incidência do vento e insolação direta ao solo. Nos trópicos, uma cobertura do solo é indispensável para evitar superaquecimento; biodiversidade e consequente nutrição vegetal; e por fim, as raízes e sua posição no solo.
Com observação e autoconfiança, ele resolve tudo e terá uma Agricultura Natural muito produtiva.
* Muitas dessas informações são encontradas no livro: Algumas Plantas Indicadoras: como reconhecer os problemas de um solo. Ana Maria Primavesi, Ed. Expressão Popular.