Para a maioria das pessoas, plantas são criaturas imóveis, mudas, pacíficas, com a única função de ficar verdes e produzir alimentos, mas que não fazem mal a ninguém, especialmente se não têm espinhos e não são tóxicas. Elas não lançam mísseis com ogivas atômicas como os homens, não atacam com garras e dentes afiados ou chifres como os animais; elas ficam lá, quietinhas em seu lugar, aguentam ser pisoteadas, maltratadas, cortadas… Mas entre si não são tão pacíficas, e a guerra entre elas é violenta, uma guerra química sem trégua.
As amizades e inimizades se expressam sempre por aerosóis ou substâncias excretadas pelas raízes. Cada planta defende o lugar onde cresce. Algumas até contra os próprios filhos, como as laranjeiras, que não deixam nascer semente alguma perto da árvore mãe. E o grande problema das monoculturas é justamente que nenhuma raiz permite a entrada de outra, de planta idêntica, em seu espaço. Nessa defesa servem-se de tudo: de excreções tóxicas para as outras plantas ou de fungos amigos que defendem seu espaço contra outras raízes ou fungos.
Sempre existiram plantas que não se dão e para isso existe uma explicação científica. Linho e alfafa não se dão porque ambos necessitam de muito boro. E se uma planta esgotou o solo nesse elemento, a outra não pode crescer bem. Soja e aveia não se dão porque ambas criam os mesmos nematoides e a infestação é maior. Mas nem tudo se explica tão facilmente e as maiores inimizades são ocorrem nessas bases.
Fiz, certa vez, uma palestra na região do Nordeste, que está em desertificação, e chamei a atenção para o efeito negativo do vento. Então um horticultor disse: “Não é verdade. Depois que fiz um quebra-vento para minhas verduras, elas estão bem piores.Com o vento cresciam mal, mas sem vento é pior. Estão simplesmente miseráveis.” Quis ver isso. Verdura que gosta de vento, ainda mais em região tão seca, não dava para imaginar. Lá, na horta, os canteiros eram todos cercados por uma planta maior, um perfeito quebra-vento. Só que a planta que ele tinha escolhido era funcho. E o funcho é conhecido como o “tio carrancudo” entre as hortaliças. Ele não se dá com nenhuma a não ser com o coentro. Olhei para o horticultor e para as hortaliças sem ânimo e disse: “Olha, o quebra-vento é perfeito, mas a planta que usou é a única que não podia ter escolhido. Funcho, mesmo plantado num cantinho da horta, diminui o crescimento de todas as outras hortaliças. Ele não se dá com ninguém.” O homem disse: “Então não foi o vento que fez bem às plantas, mas o funcho que fez mal?
Fui a um assentamento perto da fronteira do Uruguai. As pessoas plantaram cebola e cenoura para sementes. Deu muito bem. Mas como era agricultura orgânica e não queriam usar ureia, resolveram fazer rotação com feijão. O feijão fixa nitrogênio e todos os cereais se beneficiam com uma rotação dessas. Ocorre que a cebola não é cereal, mas pertence às liláceas, como também o alho e a cebolinha. E entre o feijão e as liláceas existe uma inimizade ferrenha, tanto com excreções radiculares quanto com aerosois, o feijão e todas as demais leguminosas, como mucuna, soja, ervilhaca, tremoço e outras combatem a cebola e o alho. Plantando-se em rotação, já no primeiro ano a colheita baixa pela metade e no segundo ano praticamente não produzem nada. Era pura catástrofe! Por quê? Porque passavam por cima das inimizades entre as plantas. O homem domina, mas nem tanto.
No Rio Grande do Sul plantavam, há uns cinquenta anos, trigo em rotação com trigo mourisco. Era ótimo, porque o trigo mourisco levava somente três meses para medrar e fornecia uma ração ótima para os porcos. Era economicamente perfeito. Mas o trigo rendeu menos a cada ano, e finalmente chegou-se à conclusão de que o Rio Grande do Sul não era próprio para trigo. Mas havia duas questões em aberto: por que em outros estados do Brasil o trigo deu, exatamente com variedades criadas no RGS, como a Frontana? E por que em propriedades onde, por alguma razão, não se podia plantar o trigo mourisco, a colheita do trigo era melhor? Por fim veio a ideia salvadora: o trigo é prejudicado pela rotação economicamente vantajosa, porém biologicamente ruim. E quando começaram a rotação com soja as colheitas aumentaram novamente. O trigo mourisco ou sarraceno estrangulava o trigo, não de uma vez, mas pouco a pouco.”
Revista Agroecologia Hoje. Ano II, n.10/setembro de 2001. pág 10.