Nesta sexta edição, o CNPq divulga as histórias inspiradoras de nove pesquisadoras em diversas áreas do conhecimento, por meio de verbetes. Esses textos contam as trajetórias pessoais e acadêmicas e permitem observar não somente os resultados do sucesso de cada uma, como também os obstáculos enfrentados no seu caminho.
Ana Maria Primavesi (1920) – Engenheira Agrônoma
Ana Maria Primavesi nasceu em St. Georgen ob Judenburg, na Áustria, em 3 de outubro de 1920. Sua família era nobre e teve uma educação com muita leitura e estudo de várias línguas. Viveu em um ambiente sofisticado, mas, ao mesmo tempo, ligado à vida simples do campo. A propriedade em que morava era também uma fazenda, com gado bovino de dupla aptidão, trigo e outros produtos. Sua mãe estudara botânica e cuidava dos jardins, horta e plantas medicinais.
Única aluna feminina de sua turma, formou-se em ciências agronômicas e ciências florestais na Universidade Rural de Viena e, posteriormente, fez doutorado sobre nutrição de plantas e solos. Ela dedicou sua vida ao estudo do solo, sua paixão. “Solo é vida e é a base da vida. Há muita vida nele e muita dependência dele”. É uma das mais importantes pesquisadoras na área da agroecologia e da agricultura orgânica. A compreensão do solo como um organismo vivo e com diversos níveis de interação com a planta foi uma das contribuições de Ana Maria Primavesi para a agronomia.
Aos 26 anos, casou-se com Artur Primavesi, também agrônomo. Até os 40 anos de idade, Ana cuidava mais da criação dos três filhos, e, certamente, ajudava o marido a traduzir livros e a produzir seus próprios. Artur atuava, prioritariamente, na produção de cana e de trigo, visando a recuperação biológica do solo para viabilizar e obter elevadas produtividades. Após a Segunda Guerra mundial, em 1949, mudaram-se para o Brasil.
Visitando fazendas e conversando com agricultores, o casal aprendeu português e começou a escrever livros e manuais. Com 41 anos, acompanhou Artur para atuarem na Universidade Federal de Santa Maria, após analisarem ofertas de trabalho na Unesp em Botucatu e na Universidade de Brasília. Ali, lançou-se de corpo e alma na pesquisa científica, em áreas que considerava deficientes na pesquisa do solo.
Artur criou o Instituto de Solos e Culturas e foi o braço organizador, articulador de parcerias, captador de recursos e divulgador do Instituto, e Ana era o braço pensante e científico. O Instituto ficou conhecido na Europa e Estados Unidos em pouco tempo. Ao longo da vida, Ana Primavesi publicou 12 livros e 94 textos e artigos científicos. Ela e o marido foram professores na Universidade Federal de Santa Maria entre 1961 e 1974. Neste intervalo, foi realizado um Congresso internacional em biologia do solo e criado o primeiro curso de pós-graduação a nível de mestrado da universidade credenciado junto ao MEC e Capes. Ana criou um laboratório de biologia do solo.
Ana Maria Primavesi apontava para as complexas relações entre o solo, a planta e o clima, e chamava a atenção de que o manejo dos solos dos países de clima temperado era inadequado para os nossos solos tropicais. Iniciou, então, a elaboração de um livro que abordasse estes temas, inicialmente com 200 páginas.
Em 1977, falece Artur. Em 1979, Ana lança seu livro-chave, o Manejo Ecológico do Solo: a agricultura em regiões tropicais, após diversos anos de desenvolvimento e discussões com editores e consultores. O livro teve que ser ampliado para 541 páginas e depois para mais de 600. Assim, com 60 anos, o lançamento do livro e o nascimento da primeira neta, dão estímulo à Ana para continuar batalhando, após a morte do companheiro de muitas lutas. Com o livro, Ana partiu para a divulgação de suas ideias, recebendo apoio irrestrito de uma ala da classe agronômica que tentava lutar por uma agricultura mais sustentável e saudável.
Seu livro foi traduzido para o espanhol na Argentina e alcançou a Europa ibérica. Suas pesquisas e livros indicavam uma agricultura que privilegiava a atividade biológica do solo e buscava, assim, o incremento do teor de matéria orgânica e de húmus do solo, evitando o revolvimento do mesmo, e utilizava técnicas como a adubação verde, rotação de culturas e quebra ventos.
Ana Primavesi alertava em relação à orientação da adubação restrita ao uso de NPK e ressaltava a importância dos microelementos na eficiência produtiva e na sanidade vegetal. Ela assinalava os prós e os contras das distintas formas e fontes de nutrientes, sua eficiência e aproveitamento pelas plantas, sua ciclagem no ambiente e seus impactos sobre a biologia do solo. Ao tratar desse assunto, alertava para o fato de que a fertilidade do solo não poderia ser compreendida apenas por suas características químicas, já que é intrinsecamente ligada a fenômenos que também se relacionam às propriedades físicas e biológicas.
Outra contribuição sua foi a percepção das ervas daninhas como indicadores ecológicos de qualidades físicas, químicas e biológicas dos solos. Quando se aposentou, em 1980, mudou-se para sua propriedade agrícola de 96 ha em Itaí, no estado de São Paulo. Foi pesquisadora da Fundação Mokiti Okada e uma das fundadoras da Associação da Agricultura Orgânica (AAO), uma das primeiras associações de produtores orgânicos do Brasil. Ao longo de sua carreira, recebeu diversos prêmios, como o One World Award da IFOAM, em 2012, além de títulos Doctor honoris causa em diversas universidades brasileiras. Em 2014, é anunciada Patrona da Agroecologia Nacional, cuja data é o de seu natalício, 3 de outubro. Outros livros importantes são Agroecologia: ecosfera, tecnosfera e agricultura; Manejo ecológico de pragas e doenças: técnicas alternativas para a produção agropecuária e defesa do meio ambiente; Agricultura sustentável: manual do produtor rural; A Moderna Agricultura Intensiva – Volume 1; A Biocenose do Solo na Produção Vegetal; A Moderna Agricultura Intensiva – Volume 2 ; Deficiências Minerais em Culturas, Nutrição e Produção Vegetal.
Em 2016, já com 96 anos, e um pouco mais afastada da imensa correria das viagens e palestras, morando com sua filha em São Paulo, Ana verá o lançamento de sua biografia autorizada, planejada e realizada por uma amiga geógrafa, como também do seu livro de contos infanto-juvenis agroecológicos e o relançamento do filme recuperado de desenho animado didático que fizera nos anos 60 sobre a vida no solo.
Autoria do verbete: Gisele Freitas Vilela é agrônoma e pesquisadora da Embrapa Soja na área de Manejo do Solo e da Cultura.