O encantamento de Primavesi

1 Ano sem Primavesi

por Virgínia Mendonça Knabben


“O homem é o que o solo faz dele”. Esta frase, escrita por Ana Primavesi e repetida por ela em suas aulas, palestras, cursos e livros, tem origem em uma experiência importante na vida desta grande cientista.

Convidada por uma colega de faculdade a participar de uma excursão com um professor considerado um tanto excêntrico, seguia atrás do grupo ouvindo suas explicações. Johannes Görbing andava pelo campo de cereais e apontava como as plantas se comportavam. Observava as plantas onde adubos tinham sido aplicados e também o aparecimento de várias doenças novas. Como queria saber o porquê das coisas, desenterrava as plantas, um método pouco ortodoxo. E vinha a pergunta: Se o homem ingere tudo por meio das plantas, direta ou indiretamente, por que ele não dá mais importância a elas? E se o homem sofre de problemas de circulação, dos nervos, do coração e de outras coisas, ele não consegue perceber que a origem pode estar numa deficiência do que ele come?

Annemarie (seu nome de solteira) seguia o grupo e sorria. Ela tinha entendido completamente como ele tinha feito aquilo, mas não disse nada. Agora o mundo se abria, um mundo desconhecido e muito rico. Não se podia dar à natureza o que ela necessitava se não a compreendessem. Não era só o entusiasmo que tomava conta da jovem pesquisadora, era o despertar de uma paixão! Tudo era tão simples, tão lógico, e mesmo assim era um segredo para a maioria.

Foi a “Eureka”. A partir dali, Ana Primavesi passa a estudar a interação solo-planta-animais com outro enfoque, e aqui é preciso destacar uma de suas maiores capacidades: a de unir as ciências, de fazê-las integrarem-se na compreensão de que um fator depende do outro, nada acontece isoladamente.

Mas não era só isso. Ana tinha um jeito especial de ensinar. Utilizava uma linguagem simples, exemplificava, contava casos. E, desta forma, foi formando uma legião de seguidores, pessoas que ansiavam por aprender sobre a terra, as plantas, os bichinhos do solo, sobre a nossa saúde, sobre a vida. Estes seguidores nada tinham a ver com o que conhecemos hoje pelas redes sociais. Eram pessoas que trabalhavam no campo, ou que queriam aprender a lidar com a terra. E amavam mais ainda a natureza porque ela era desvendada por Ana.

Depois que se formou, casou e veio para o Brasil, Primavesi trabalhou incansavelmente por uma agricultura ecológica, ou Agroecologia. Manteve-se firme em suas convicções, escreveu muito, mas muito mesmo. Estes escritos alicerçam na prática e na teoria um exército de pessoas que hoje enxergam que há mais por compreender e desvendar.

Em outubro passado, celebramos seu centenário, já sem sua presença. Na ocasião, Primavesi foi transformada num ser elemental da natureza enraizado como jatobá sagrado, uma árvore que, segundo ela, possui uma seiva com qualidades nutritivas plenas. De engenheira agrônoma, pesquisadora, cientista, professora, Doutora, Mestra, além de todas as outras capacidades que possuía, ela se tornou, sob nossos olhos, Aquela que nos deixou um legado único de amor à terra, um amor que prescinde conhecer a vida do solo em sua dinâmica. O jatobá, como Ana, nos nutre com sua seiva, sua essência.

Hoje, completa-se um ano de sua partida. Não há tristeza, mas saudade. Não há lamento, mas gratidão. E não há outra saída para todos nós, aqui ainda, se a vida do solo, que ela desvendou, não for preservada e respeitada.

“Se o homem é o que o solo faz dele”, é no solo que estão as respostas. E foi Ana Maria Primavesi que nos mostrou o caminho.